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McDonnell Douglas: Pedigree de Campeões
 

Donald Douglas Sr. sempre se destacou de seus pares. Fosse pela inteligência, pelo tino comercial ou por sua obstinação, o fato é que Douglas e sua equipe de talentosos engenheiros aeronáuticos ergueram um império dos ares, que entre outros feitos, construiu simplesmente o mais importante e talvez mais famoso avião de todos os tempos: o lendário DC-3. Que outra aeronave comercial dominou a seu tempo, 90% do mercado mundial?

Com o advento dos jatos comerciais, os ventos começaram a soprar contra a Douglas, levando-a à fusão com a McDonnell Company, num casamento feito mais por necessidade do que por amor. Essa história veremos a seguir.

Nascem dois Gigantes

Donald Wills Douglas nasceu no Brooklyn em 6 de Abril de 1892 em meio à uma família aristocrática. Fascinado por embarcações, alistou-se na academia naval de Annapolis. Logo travou contato com os primeiros hidroaviões, que o deixaram fascinado. Resolveu ser engenheiro aeronáutico e conseguiu entrar no disputado Massachussets Institute of Technology, ou MIT, onde acabou completando o curso de quatro anos em apenas dois.

Foi trabalhar na Glenn Martin Company na California, então uma das grandes empresas do ramo. Ganhou inestimável experiência nos cinco anos em que lá trabalhou, alçando cargos até chegar a engenheiro chefe. A entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra levou a Martin a desenhar um grande bombardeiro, o MB-1, sob a batuta do jovem Douglas.

James Smith McDonnell nasceu em 9 de abril de 1899 em Denver. Também fascinado por aviação, tentou alistar-se como piloto durante a Primeira Guerra, mas problemas de visão impediram que servisse. Findo o conflito, foi estudar engenharia aeronáutica na mesma escola que Douglas, o MIT. Conseguiu sua primeira grande chance como engenheiro na Stout Aircraft, logo comprada por Henry Ford. McDonnell fez parte da equipe que desenhou o famoso Ford Tri-motor, de grande sucesso comercial.

Em 1920 e 1926, respectivamente, Douglas e McDonnell fundaram suas empresas. A Douglas rapidamente firmou-se como um dos gigantes da aviação. Já McDonnell teve menos sorte: acabou sendo obrigado à fechar sua companhia.

Em 1929, McDonnell assumiu o posto de engenheiro chefe na Glenn Martin Company, exatamente o cargo que fora de Douglas alguns anos antes. Mc Donnell estava longe de se acomodar. Em 1938 fundou em Saint Louis a McDonnell Company, que desta vez decolou. Apenas para comparar, a empresa de Douglas na California era então 18 vezes maior.

Durante a guerra, ambas cresceram. Mas com o advento do jato, a Douglas começou a perder a liderança no cenário da aviação comercial, enquanto a McDonnell só crescia, produzindo aeronaves de alta performance para a Marinha e Força Aérea Americana. Em 1967, ano da fusão das duas empresas, elas eram praticamente iguais.

Os aviões de Douglas

O Cloudster foi o primeiro avião totalmente desenhado por Douglas, para tentar o vôo sem escalas de costa a costa dos Estados Unidos. Um Fokker bateu o Cloudster por dias, mas o avião era muito bom e acabou sendo encomendado, com algumas modificações, pela Força Aérea e Marinha, tendo alcançado a cifra de mais de 650 unidades produzidas.
A empresa passou a construir aeronaves cada vez maiores, como os Bombardeiros B-7, B-11, B-18 e B-23 e os bem-sucedidos aviões de ataque A-20 (mais de 5000 construídos) e A-26 (2400 unidades fabricadas) e os torpedeiros Dauntless (mais de 5000).

No campo civil, foi com a linhagem DC (Douglas Commercial) que a empresa acertou o jackpot. O DC-3 estabeleceu a empresa como a líder aeronáutica no ramo, tornando-a uma verdadeira lenda. Os sucessores DC-4, DC-6 e DC-7 confirmaram a supremacia no campo comercial. Os jatos militares também fizeram sucesso, notadamente os F4D Skyray e A4 Skyhawk.

Os jatos comerciais da Douglas

Os anos 50 começaram muito bem para a Douglas. Líder no mercado civil, possuia em 1952 nada menos que 275 aeronaves encomendadas. C.R. Smith, presidente da American Airlines, pediu a Douglas que desenvolvesse um Super DC-6, capaz de competir com o Lockheed Constellation. Surgiu o famoso DC-7, que viria a ser o mais avançado avião à pistão da empresa e o último modelo movida à pistão antes da era do jato.

Preocupado em atender um cliente importante como a American, a Douglas Aircraft dedicou-se de corpo e alma ao DC-7. Corria o ano de 1953, e, acomodada na posição de líder absoluta de mercado, a Douglas tocava adiante, vagarosamente, o desenvolvimento de seu primeiro jato, o DC-8.

Em Seattle, a Boeing apresentava ao mundo o 707. Sentindo-se ameaçado, em 7 de Junho de 1955, Donald Douglas anunciou formalmente o lançamento do DC-8. As encomendas começaram a surgir. A Pan Am anunciou em 13 de Outubro a compra de 20 Boeing 707 e 25 Douglas DC-8. A Boeing, chocada, teve de se conformar em ver a Douglas levar a maior fatia da encomenda. Afinal o DC-8 era maior que o 707: tinha a fuselagem mais larga, capaz de acomodar seis passageiros por fileira contra 5 no Boeing e já nascia com duas versões, intercontinental e doméstica. E afinal de contas, era um Douglas.

A Boeing não perdeu tempo: redesenhou o 707, numa de suas mais arriscadas, custosas e ousadas decisões empresariais, aumentando o diâmetro da fuselagem e desenvolvendo versões de longo alcance. Foi aí que a liderança da Douglas foi perdida para a Boeing. Primeiro, porquê o modelo da Douglas chegou ao mercado depois do concorrente. Segunado, porque o707 foi encomendado em grandes números pela Força Aérea Americana, tendo seu custo unitário reduzido em comparação ao DC-8. O fator preço foi fundamental para a Boeing acabar ganhando várias concorrências.
Não que o DC-8 fosse pior que seu concorrente. Prova disso é que hoje, existem aproximadamente 70 Boeing 707 em operação (dos 1012 produzidos), contra 170 DC-8 (de um total de 556 produzidos).

Cresce a família de jatos

O novo modelo de jato da Douglas foi o Douglas DC-9, que junto com seu sucessor MD-80, constituiu-se no grande sucesso de vendas da empresa. Se somarmos todos os diferentes modelos, são mais de 2000 aeronaves vendidas para 150 empresas. O Boeing 717 de hoje nada mais é que o MD-95 rebatizado.

O DC-9 é um dos jatos cujo projeto básico recebeu mais desenvolvimentos em toda a história. Entre o modelo DC-9-10 e o MD-90, por exemplo, o número de assentos passou de 90 para 180, o comprimento da fuselagem de 31,8 m para 46,5 m, e o peso máximo de 41.4 para 70.7 toneladas.

Os aviões de Ol´Mac

Depois de 1945, a McDonnell começou a se especializar em aeronaves militares de alta performance. Surgiram os caças navais Banshee e Demon, isso semb falar no famoso e extremamente bem sucedido F-4 Phantom. Depois vieram os F-101 Voodoo, produzidos em grande quantidade para a US Navy e USAF. Ol´Mac, como James McDonnell era conhecido, acabou se tornando um especialista em caças e aviões da ataque. Porém, no campo da aviação comercial, a atuação da McDonnell era praticamente inexistente.

O DC-10 e a fusão

Com o 747 lançado e em fabricação, a Douglas sentiu que era hora de criar um produto que competisse com o Jumbo de Seattle. Tentando recuperar o mercado perdido, a Douglas oferecia enormes descontos nos seus produtos, afetando ainda mais a delicada situação financeira da companhia. O desenvolvimento em paralelo de várias versões do DC-9, bem como novos estudos para o DC-8, consumiam tempo e dinheiro, sem trazerem o retorno necessário.

Em 1966, foi anunciado um prejuízo de 70 milhões de dólares, uma cifra muito alta para a época. Os bancos e investidores avisaram que não mais suportariam perdas como essa, fechando as torneiras que abasteciam de crédito o fabricante. A administração da Douglas não viu outra alternativa a não ser a de buscar um parceiro.

Em 13 de janeiro de 1967, a McDonnell Aircraft foi anunciada como vencedora da disputa, batendo com sua oferta as concorrentes Fairchild-Hiller e General Dynamics. A nova empresa, McDonnell Douglas, revigorada com a entrada de capital e de novas cabeças pensantes, recebeu o anúncio da compra de 25 modelos da Série 10 do novo DC-10 pela American Airlines como prêmio, em fevereiro de 1968.

A grande corrida apenas começara: brigando entre sí, a Lockheed e a McDonnell Douglas disputavqm cada novo cliente a tapa, enquanto atiravam-se à produção dos protótipos. O DC-10 foi apresentado ao público em 23 de julho de 1970, fazendo seu primeiro vôo seis dias depois. A imagem da empresa e a do próprio DC-10 ficariam unidos para sempre, mas em circuntânscias bem menos festivas.

Tragédia

Num ensolarado domingo em 1973, um DC-10 da THY decolou de Orly rumo à Londres, lotado de passageiros. Com apenas alguns minutos de vôo, a porta do compartimento de carga abriu-se repentinamente, causando um explosão que afundou o piso da cabine, cortando os cabos de controle. O DC-10 embicou, acelerado, abrindo uma clareira de 700m x100m numa floresta. O impacto foi tão violento, que nem fogo houve: foi como se uma bomba tivesse explodido.

Foi o começo do fim do DC-10. Outros acidentes de menores proporções aconteceram, e só serviram para aumentar a insegurança do público em relação à aeronave. Até que em 25 de maio de 1979, um DC-10 da American Airlines, decolando de Chicago, perdeu seu motor esquerdo e caiu, matando todos os ocupantes.

A Federal Aviation Agency, orgão regulador da segurança aérea norte-americano, cassou a licença de operação das 270 aeronaves em operação em 41 companhias de todo o mundo, golpe de misericórdia nos DC-10. Juntando-se à esta trágica história a competição com o Tristar, o DC-10 não vendeu o suficiente para garantir retorno ao fabricante. Apenas 446 foram produzidos, incluindo-se aí as versões militares KC-10, encomendadas pela Força Aérea Americana. Foi pouco para um projeto ambicioso, e pior ainda, num momento em que a McDonnell Douglas precisava de um grande sucesso para equilibrar a competição com a Boeing.

Os MD-80 e seus sucessores

Em 28 de outubro de 1982, o último dos 976 Douglas DC-9 produzidos foi entregue. Um dos maiores sucessos da empresa, o DC-9 foi responsável pela manutenção da Douglas como uma das líderes do mercado.

Em meados da década de 70 surgiu uma nova geração de motores, os JT8D-209, mais potentes e eficientes. Criou-se uma plataforma capaz de suportar uma nova versão de DC-9, maior e mais pesada que a Série 50, a maior até então. Para entrar em serviço no início dos anos 80, a Douglas batizou então seu novo jato de DC-9-80, ou Super 80. Como desde há muitos anos a empresa já havia se associado à McDonnell Douglas, o Super 80 foi o primeiro jato a trocar a designação DC (Douglas Commercial) por MD (McDonnell Douglas). Nascia oficialmente o MD-80, colocado em operação em outubro de 1980 nas asas da Swissair. Na China, a Shanghai Aviation Industrial Corporation produziu 50 unidades do modelo sob licença.

O MD-87 foi um MD-80 encurtado em 5 metros, com capacidade para transportar um máximo de 139 passageiros, equivalente à capacidade de um DC-9-50. Fez seu vôo inaugural em 4 de dezembro de 1986, mas não vendeu bem: a produção atingiu apenas 72 unidades, a versão menos vendida entre todas as variantes do MD-80.

Surge o MD-90, um MD-80 com novos motores, os avançados e silenciosos IAE V2500 e dotado de nova instrumentação, interiores redesenhados e uma fuselagem ainda mais alongada. Sem entrar no mérito de ser uma boa ou má aeronave, o fato é que o MD-90 surgiu num momento em que ninguém mais levava a Mcdonnell Douglas muito a sério, em agosto de 1993.

Na guerra e no espaço

A tradição da McDonnell continuou gerando frutos. O F-15 Eagle é testemunha disso. O C-17 Globemaster III de transporte e o F/A-18 Hornet carregam a tradição militar de excelência. No campo aeroespacial, foguetes, satélites e programas junto à NASA mantém os engenheiros da empresa de mãos ocupadas, embora estes setores não se mostrassem suficientes para manter a gigantesca empresa em condições de sobreviver.

MD-11, o início do fim

Em 1973 a McDonnell Douglas começou a pensar num sucessor ao DC-10. Inicialmente, a proposta consistia em desenvolver uma versão alongada do DC-10, que seria chamada, a exemplo do que se fizera com o DC-8, de Série 60. O imobilismo e hesitação de seus diretores, já uma característica marcante da administração da McDonnell Douglas mostrou-se mais uma vez, fazendo com que o programa perdesse preciosos anos em seu desenvolvimento. Depois, foi a vez de se discutir um DC-10 com dois motores e fuselagem encurtada. Mais tempo perdido.

O MD-11 foi oficialmente lançado em 30 de dezembro de 1986, contando com 52 encomendas firmes vindas de 12 empresas. Prevendo um custo de desenvolvimento de meio bilhão de dólares e um potencial de vendas de 350 aeronaves, a McDonnell Douglas não contava com a reação da Airbus: esta ofereceu uma nova versão do A340, competidor direto do MD-11 ainda em fase de construção, por 15% a menos que o trijato da McDonnell Douglas. Este preço foi dado mesmo sabendo-se que os custos de desenvolvimento do Airbus haviam sido cinco vezes maior que os custos do trijato de Long beach. Esta ação inibiu as vendas do MD-11, sobretudo na Europa.

No princípio de 1989, John McDonnell, filho de James McDonnell e então presidente da empresa, anunciou a criação de um programa de qualidade total a ser implantado na administração da companhia. Batizado de Total Quality Management System (TQMS) ou Sistema de Gerenciamento de Qualidade Total. Este obrigava os executivos e gerentes da empresa a passar por uma banca examinadora formada pelos próprios funcionários. O efeito no moral do grupo, que já não era dos melhores, foi devastadador. Logo o programa foi apelidado de TQMS- Time to Quit and Move to Seattle, (hora de pedir demissão e mudar-se para Seattle - onde ficava sediada a Boeing). Como resultado, muitos dos melhores profissionais deixaram a empresa, o que só serviu para adiar ainda mais o lançamento do MD-11.

Depois de mais de três anos de gestação, o primeiro MD-11 decolou em 10 de janeiro de 1990. O consumo de combustível da aeronave mostrou-se acima do previsto, o que bastou para a Singapore Airlines cancelar a encomenda, um golpe devastador para o programa. Os problemas foram solucionados, mas já era muito tarde.

Somente cinco anos depois, outro cliente importante anunciou a compra dos MD-11: foi a Lufthansa Cargo, que encomendou a versão MD-11F. Foi justamente no mercado de carga que o MD-11 encontrou seu principal nicho. Com sua grande capacidade e autonomia, mostrou-se um ótimo avião para estas missões.

Com estes e outros fracassos na área comercial, como o projeto abortado do MD-12, (que estranhamente lembrava muito o Airbus A380 em sua concepção final) a empresa viu-se obrigada a aceitar a proposta de incorporação pela Boeing.

Um final melancólico para a que talvez seja a empresa de maior tradição aeronáutica. Quando do anúncio de sua "fusão" com a Boeing, a McDonnell Douglas detinha menos de 5% do mercado de aviões novos. Mesmo assim, seus maravilhosos aviões, produzidos por mais de oitenta anos, voarão ainda por muito tempo, como o legado vivo de dois homens e de suas empresas.

 

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