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Antonov An-124: O gigante
 

Nesta matéria da seção fabricantes, vamos falar do mais importante produto fabricado pela Antonov, a tradicional construtora soviética: Ruslan, o gigante.

Um cargueiro fora de série

As operações de carga aérea são consideradas como tendo pouca relação com o transporte de passageiros. No passado, várias tentativas foram feitas por fabricantes ocidentais para construir um avião comercial cargueiro de emprego exclusivamente comercial. Nenhum deles vingou: a grande maioria dos aviões cargueiros é na verdade, derivados de aviões de passageiros, alguns em serviço e outros já há muito tempo retirados das linhas comerciais.

A aviação russa, entretanto, produziu nos últimos anos, várias aeronaves específicas para o transporte de carga e, mais recentemente criou o Antonov An-124 Ruslan, em homenagem a um gigante do folclore soviético. O jato é um dos mais impressionantes aviões cargueiros a cruzarem os céus. O An-124 começou a sua vida como cargueiro militar, recebendo o apelido de "Condor" pela OTAN. Suas especificações de projeto exigiam uma aeronave capaz de transportar lançadores móveis nucleares completos e suas respectivas armas, dos seus locais de produção até os diferentes locais de lançamento espalhados pelas fronteiras da ex-União Soviética, além de ser capaz de operar em pistas de terra não preparadas. Isso foi conseguido com um impressionante trem de pouso de 24 rodas, o qual, segundo foi divulgado, representa uma pressão no solo não maior do que a da pegada de um homem.

O An-124 fez seu primeiro vôo em 26 de dezembro de 1982, sendo revelado aos observadores ocidentais no Salão de Le Bourget. Naquele ano o An-124 estabeleceu 21 recordes mundiais, eclipsando rapidamente os números anteriormente estabelecidos pelo Lockheed C-5 Galaxy, incluindo o notável transporte de uma carga útil de aproximadamente 171.219 kg a uma altitude de 10.750 m (35.000 pés). Com um comprimento de 69,10 m, uma envergadura de 73,30 m e uma altura de 20,78 m, o An-124 tem um peso máximo de decolagem de 392.000 kg, um peso vazio operacional de 175.000 kg e um peso sem combustível de 295.000 kg. A aeronave cruza a 750 km/h e tem alcance de 5.000 km. O modelo entrou em serviço em dezembro de 1985, quando transportou as peças de um enorme caminhão basculante de 154.000 kg até um centro de mineração em Polyarny.

O gigante começa a trabalhar

Na ex-União Soviética, os projetistas de aviões construíam, normalmente, um ou dois protótipos, antes da produção em série ser encomendada a outra fábrica. Mas, no caso do An-124, Ulyanovsk, o local destinado para sua fabricação, situado a uma hora de vôo a sudeste de Moscou e originalmente construído para produzir um novo bombardeiro estratégico, não ficou pronto a tempo. Por isso, a fábrica de protótipos da Antonov, em Kiev-Gostomel, na Ucrânia, foi utilizada para completar 17 aviões, antes da produção ser encerrada.

Em 1993, entretanto, a Antonov Airtrack (AAT) foi fundada por ex-funcionários da Empresa de Projetos Antonov, com mais outros dois An-124 sendo construídos em Kiev por esta companhia. Até hoje, cerca de 35 An-124 foram produzidos.

No Ocidente, o valor comercial da aeronave tornou-se óbvio em meados dos anos 80 e a AirFoyle, de Luton, Grã-Bretanha, começou a procurar aviões An-124 para vôos charter. Após esses contatos, a Antonov solicitou e obteve autorização do governo Gorbachev, em 1989, para criar uma companhia aérea. A empresa de projetos tinha cinco aviões utilizados no programa de desenvolvimento, os quais formaram o núcleo da frota.

Em 1989, um operador búlgaro foi aprovado para adquirir dois An-124 novos pelo peço de US$ 200.000. A decisão do governo soviético quase provocou um caos na fábrica, e os trabalhadores exigiram que os aviões fossem "vendidos" a eles. O resultados foi a formação da VolgaDnepr Airlines. Entretanto, outra companhia aérea cargueira britânica, a HeavyLift, havia feito contatos com o governo soviético para ter acesso aos An-124, o que resultou na aliança VolgaDnepr-HeavyLift.

Após o fim da União Soviética, em dezembo de 1999, a FAA (Administração Federal de Aviação) solicitou à sua equivalente russa, a AviaRegistr, as bases utilizadas para a certificação do An-124. A questão havia sido levantada anteriormente, mas na época, o Ruslan havia sido certificado como um avião militar. Alguns dias depois, os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha recusaram autorizações para os An-124 voassem em seus espaços aéreos, por isso, a Antonov concordou em realizar as modificações necessárias nas aeronaves para que atendessem às exigências da FAA. Logo após os vôos de ensaios terem sido completados com sucesso, o avião envolvido (RA-82002), foi destruído em 13 de outubro de 1992, quando a porta do nariz abriu-se durante uma manobra não obrigatória. Foi comprovado mais tarde pelo FAA que a manobra excedeu as exigências dos ensaios. A aeronave acabou recebendo a certificação civil e recebeu a designação An-124-100.

Ruslan em detalhes

O Antonov An-124 é um avião impressionante sob qualquer aspecto e para todos os padrões. Com uma capacidade de carga 10.000 kg superior à do maior avião ocidental, o Boeing 747-400F, o AN-124 está autorizado a transportar 150.000 kg de carga útil. Entretanto, a fim de prolongar a vida útil da célula, e com seu alcance drasticamente restrito pelo peso, o An-124 transporta um máximo de 120.000 kg, a menos que uma exceção seja autorizada pelo fabricante.

Para uma decolagem com peso bruto máximo, o An-124 necessita uma pista de 3.000 m, embora em aeroportos altos e quentes a aeronave possa ter severas limitações. O peso máximo de pouso da aeronave é de aproximadamente 330.000 kg. Ele não possuía sistema de alijamento de combustível, por isso, mesmo na eventualidade de um problema após uma decolagem com peso máximo, o avião deverá circular por cerca de quatro horas consumindo combustível antes de tentar o pouso.

A capacidade máxima de combustível da aeronave, que cruza a 750 km/h é de 214.000 kg. A principal vantagem comercial do An-124 é a sua enorme fuselagem, a qual possui um comprimento de 36,5 m, uma largura de 6,4 m e uma altura de 4,4 m, o que resulta num espaço útil de 750 m3, ou seja 25% a mais do que um Boeing 747, além de ter a capacidade de transportar cargas muito mais volumosas.

O An-124 não precisa de qualquer equipamento especializado para ser carregado: peças de 22 toneladas podem ser facilmente deslocadas dentro da fuselagem com seu próprio sistema de guincho interno. O piso e as rampas do avião permitem que veículos de 50.000 kg entrem pelo nariz ou pela cauda e saiam pelas extremidades opostas . Ambas as rampas são operadas por sistemas hidráulicos internos.

A rampa do nariz funciona de forma engenhosa: abaixa-se o nariz da aeronave ao se inclinar o trem de pouso dianteiro num ângulo de 45º. O nariz é aberto para cima e a rampa, que se encontrava dobrada em três partes, é estendida. A rampa traseira fica dobrada em duas partes. A entrada do nariz, com seu ângulo de 3,5º, é particularmente útil para o acesso de veículos com grande distância entre eixos e, evidentemente não possui rolamentos embutidos no piso.

Tecnicamente, o An-124 é um avião muito barulhento. Mas seu Calcanhar de Aquiles é mesmo a qualidade, eficiência e confiabilidade operacional dos motores. Os turbofans Progress D-18T construídos na Ucrânia estão certificados com uma vida útil de 5.000 horas, mas é pouco provável que eles durem tanto tempo. As falhas de motores têm se multiplicado devido ao pouco tempo disponível para manutenção de rotina entre vôos cada vez mais freqüentes. Construídos em Zaparozhy, os D-18T estão falhando com alarmante regularidade, mais depressa do que novos motores podem ser construídos ou os velhos recondicionados. Isso tem feito com que um número cada vez maior de An-124 permaneçam estacionados e que motores novos sejam leiloados pelo melhor preço, assim que saem da linha de montagem.

Os quatro motores D-18T também não colaboram para a economia das operações, já que consomem uma média de 16.000 kg de combustível por hora. Além do mais, os motores só atendem às exigências do Estágio 2 o que aumenta os encargos às operações da aeronave em muitos aeroportos dos Estados Unidos e da Europa.

Ao contrário dos projetos ocidentais, o An-124 exige uma tripulação numerosa. O normal é encontrar uma tripulação de 18 ou 19 pessoas, e não é difícil encontrar até 24 tripulantes. O principal motivo da utilização de uma tripulação tão grande é a limitada experiência e a falta de familiarização com este avião fora do seu país de origem. O An-124 transporta até 12 técnicos, cada um especializado em vários aspectos da estruturas e dos sistemas da aeronave e estes homens são treinados para consertar diversas panes no solo.

A disposição dentro do cockpit também é fora o comum. Dois pilotos são acompanhados por um operador de motores, um operador de rádio, dois navegadores e dois engenheiros. Sobre o porão de carga (na parte superior da fuselagem) na parte dianteira da fuselagem, atrás da cabine de comando há duas aéreas de descanso com mesas e sofás que podem ser convertidos em seis camas para repouso da tripulação em vôos longos.

Na parte traseira, não conectada com a seção dianteira e, novamente, com acesso por escada existe uma sala de descanso para os técnicos e outra para dormir. A área de descanso está equipada com 15 cadeiras, mesas, uma cozinha e dois banheiros. Doze camas permitem que os técnicos durmam durante os vôos, já que seu trabalho começa assim que o avião pousa.

Com os custos cada vez mais altos na Comunidade de Estados Independentes, o que faz com que uma grande tripulação seja difícil de sustentar e com os problemáticos motores D-18T, o fabricante decidiu produzir um Ruslan melhorado. No segundo semestre de 1996, o primeiro An-124-130, equipado com quatro motores General Electric CF6-80, e com uma tripulação reduzida para oito pessoas (quatro tripulantes de vôo e quatro engenheiros/supervisores de carga) saiu da linha de montagem.

O An-124 é único, conceitualmente diferente em todos os aspectos de todos os outros aviões cargueiros comerciais que operam na atualidade. Esta nova e ocidentalizada versão fez com que a demanda para o gigante ucraniano aumente ano a ano, garantindo por um bom tempo a impressionante visão do Ruslan nos céus.

Santiago Oliver

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