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Robert Crandall: presidente da American Airlines


Quando Bob Crandall era um adolescente e adultos lhe formulavam a clássica questão, "O que você quer ser quando crescer?", o franzino rapaz respondia de bate-pronto, sem hesitar: "Presidente da American Airlines."

Algumas décadas depois, o desejo tornou-se realidade, para sorte da própria American Airlines - e desespero dos concorrentes. Crandall, sozinho, por seus próprios méritos, tornou-se presidente da empresa que ele transformou na maior do mundo. Sua hercúlea força de vontade, sua inteligência só comparával à sua arrogância intelectual, sua implacável capacidade de encarar desafios e vencê-los a qualquer custo transformaram não apenas a American Aoirlines na maior e mais poderosa companhia aérea do planeta, com vendas anuais superiors a 20 bilhões de dólares, como numa das mais combatidas, implacáveis e temidas empresas. Não apenas do setor de aviação, mas em qualquer segmento: a American de Crandall transcendeu a influência na indústria da aviação e passou a ser um dos benchmarks de sucesso, material obrigatória no estudo da moderna administração de empresas.

Crandall, nascido em 1935 em Westerly, Rhode Island, é o mais influente e importante executivo de aviação depois de Juan Terry Trippe, o visionário e aristocrático fundador da Pan Am. Se Trippe estabeleceu os "Quês" - as regras do jogo, as normas, padrões e até os símbolos básicos da indústria (como por exemplo, a adoção de uniformes navais para os tripulantes) - foi Crandall que ditou as regras dos "Comos": como ganhar dinheiro, como comprar e operar aviões, como desenhar sistemas de rotas, sistemas de reservas, programas de marketing, reduzir custos. Crandall aprendeu, mais do que tudo, como vencer - ou eliminar - a competição.

Ninguém nega que as bases da American Airlines foram formadas por outro gigante, C. R. Smith. Administrador notável, "CR" como era mais conhecido, estabeleceu uma cultura que valorizava a busca pelo talento em seus empregados, descobrindo, instruindo e capacitando os mais brilhantes. Dezenas de executivos de aviação foram "formados" neste período de consolidação da American Airlines, que termina em meados dos anos 60.

Em abril de 1973, Robert Crandall entrou na American Airlines, assumindo o porto de VP de finanças, recém saído da Bloomingdale`s, uma famosa cadeia de lojas de departamentos. Não que Crandall tivesse por um único minuto em sua vida tentado a sorte com perfumes, vestidos e chapéus. Mas, a despeito de sua paixão por aviação, a vida dá voltas e Crandall só havia encontrado emprego longe dos hangares. Primeiro na Eastman Kodak, depois na Hallmark, famosa fabricante de cartões de natal.

Com MBA na prestigiosa Wharton School of Business, Crandall subia rápido nas empresa pelas quais passava. Na Hallmark, Crandall foi responsável pelo departamento de processamento de dados. Foi lá que ele aprendeu não apenas o que os computadores faziam, mas o que eles seriam capazes de fazer. E isso mudaria toda a história da aviação comercial moderna.

Crandall descobriu que os computadores aprendiam quantos e quais cartões vendiam bem, quantos e quais encalhavam em cada loja. Ele observou que havia "padrões" nas vendas, comportamentos contínuos por parte do público. Aprendeu também que existem maneiras de persuadir as compras, de flexibilizar preços para aumentar vendas - até um certo limite. Depois, disso, os cartões encalhavam nas prateleiras, fizesse a Hallmark o que fizesse. Além disso, ele descobriu que os computadores aprendiam quais cartões vendiam bem em determinados mercados e quais cartões encalhavam nas lojas. Crandall descobria novas maneiras de compilar dados, processar pedidos, controlar estoques, estimular demanda e, com tudo isso, aumentar os lucros da empresa. Estas são algumas das muitas lições que ele aprenderia e levaria consigo para seus novos empregadores.

Com uma capacidade de raciocínio quase tão rápida quanto os gigantescos mainframes da IBM, que na época, rodavam em cartões perfurados, Crandall descobria na prática não o que vender, mas como vender. E como ganhar mais em cima de um mesmo produto. Da Hallmark, ele finalmente entrou numa empresa aérea, a TWA, onde foi responsável pelo departamento de tesouraria, finanças e cobranças. Então veio a Bloomingdale`s com uma oferta milionária, que Crandall não poderia recusar. Mas quando chegou a vez da American Airlines convidá-lo, Crandall foi mesmo - voando.

Assumindo a Vice-Presidência de Finanças, Crandall foi instruído pelo então presidente e CEO da American, Al Casey, a procurar um VP de marketing. Durante a busca pelo executivo, Casey notou que Crandall sempre fazia as perguntas mais inteligentes e pertinentes para a empresa. Depois de meses entrevistando candidatos, ficou claro que o próprio Crandall seria a melhor escolha, apesar de nunca haver trabalhado formalmente com marketing. Casey convidou - e o extremamente ambicioso Crandall aceitou no ato.

Crandall sabia que mais da metade dos 40.000 funcionários da American Airlines estariam sob seu comando direto. Não apenas as áreas de vendas e marketing, mas aspectos estratégicos da companhia, incluindo-se aí o desenho de rotas e o produto final. Mais apetitoso ainda, também a seleção e compra de aeronaves, ficavam sob a batuta do departamento. Logo ficou aparente que Crandall era o homem certo no lugar certo na hora certa: o "Oil Shock" de 1973 devastava as finanças das companhias aéreas norte-americanas (exatamente como hoje) e toda atenção e talento eram necessárias para reverter as fortunas das empresas.

Sua primeira missão de peso foi supervisonar o desenvolvimento do sistema de reservas da American, o Sabre, na cidade de Tulsa, Oklahoma. Embora o Sabre tivesse sido o pioneiro da indústria, ainda nos anos 50, ele há muito havia perdido sua importância dentro da American: os antecessors de Crandall não sabiam que perguntas fazer ao sistema, que consideravam inútil e dispensioso. Crandall, ao contrário, investiu pesado no Sabre e fez com que ele se transformasse na mais poderosa ferramenta de vendas da indústria. Décadas depois, perguntaram a Crandall: se tivesse de vender o Sabre ou a American, qual escolheria? "A American", Crandall respondeu sem pestanejar. Hoje, o Sabre processa 200 milhões de mensagens diariamente, ou quase 20 milhões por horas. E a American cobra e ganha alguns dólares em cada uma dessas mensagens, faturando limpinho e no bolso de cada uma das 38,000 agências de viagens e centenas de companhias aéreas de 79 países que usam o Sabre como sistema de distribuição.

A seguir, em 1975, Crandall instituiu as Tarifas "Super Saver", para compras avançadas, aumentando enormemente o faturamento da American, que passou a vender assentos que, não fosse pelas novas tarifas, acabariam mesmo vazios.

Crandall fez algo ainda mais notável, visionário: estabeleceu com força total o sistema de "hubs" na aviação. Hubs são centros geradores e receptores de tráfego. A American hoje os tem em Dallas/Fort Worth (sua sede), Chicago, Miami e, em menor escala, em Los Angeles. Crandall estimulou a formação dos hubs na empresa, multiplicando exponencialmente a capacidade de competição da American, que em pouquíssimo tempo era capaz de servir, com apenas uma escala e eventual troca de aeronave em um desses hubs, qualquer par de cidades no gigantesco sistema de rotas da companhia. Promover e incrementar os hubs foi uma das mais importantes contribuições de Crandall à American, outra das razões pelas quais a companhia ultrapassou suas concorrentes.

Essas contribuições fizeram com que Crandall fosse nomeado presidente da American Airlines por Al Casey ainda em 1980. Como novo presidente, Crandall teve ainda mais poder para reagir à uma novidade na indústria: a desregulamentação do setor, promovida pelo governo Carter em 1978. Sob o comando autoritário e implacável de Crandall, a American soube competir e prosperar, enquanto gigantes da época, como a Braniff, Pan Am, Eastern e TWA sucumbiram. Esta última, comprada pela própria American.

Nessa época, Crandall já tinha dois apelidos: Fang (presas) e Darth Vader. Seu comportamento implacável com erros, atrasos ou omissões lhe valeram os apodos - e o respeito de subordinados e concorrentes. Quando Crandall marcava uma reunião, exigia absoluto cumprimento do horário. Se um encontro começava, digamos, as 8 da manhã, nesse horário Crandall levanta-se de sua cadeira e trancava a porta da sala, abrindo-a somente no final do encontro. Quem não tivesse chegado a tempo teria de se explicar muito bem depois. Seu temperamento implacável tornou-se famoso. Desta época fica uma noção que Crandall sempre fez questão de deixar claro: "A American não entrou nem nunca entrará em nenhum mercado se não for para dominá-lo, se não for para se transformar na dona da maior fatia no bolo. O segundo lugar não nos interessa. O segundo colocado nada mais é do que o primeiro perdedor".

O início dos anos 80 foi extremamente difícil para a aviação. Com uma economia recessiva, o mercado andava para trás. Crandall começou eliminando os jatos menos econômicos, no caso os Boeing 707, e cortando a oferta em mais de 5%. Mas um dos maiores problemas eram os custos internos, entre os mais altos da indústria. Crandall então desenvolveu uma estratégia para reduzir os salários e benefícios dos funcionários, um item que consumia 37% do faturamento da American. Nascia então a idéia, odiada por muitos até hoje, que estabalecia as bases de um sistema de duas escalas de salários: quem estava na American até aquela data recebia um salário da escala A. Quem entrasse a partir de então, receberia bem menos pela mesma função e faria parte de uma escala de remuneração inferior, a escala B. Os sindicatos contra-atacaram imediatamente Crandall. Não é preciso dizer quem ganhou a disputa.

O fato é que apenas essa impopular medida gerou bilhões de dólares por ano de economia aos cofres da American. Com esse dinheiro, Crandall financiou a compra de centenas de novos jatos. Numa tacada, foram 250 novos MD-80, por exemplo. A sucateada frota da American do início dos anos 80 foi totalmente renovada é hoje uma das mais modernas e eficientes do mundo.

Crandall fez mais: ainda em 1979, instituiu e desenvolveu o AAdvantage, o mais bem sucedido e maior programa de milhagem do mundo, com mais de 40 milhões de usuários - e note: este é considerado o mais eficiente programa de marketing jamais feito pelas companhias aéreas.

Mas o golpe de mestre seria fruto dos estudos feitos para introduzir o AAdvantage. Estudando a imensa quantidade de dados de tráfego que o sabre armazenava, Crandall pode ordenar o desenvolvimento de um sistema que simulava as lições aprendidas com os cartões de natal ainda nos tempos da Hallmark. Crandall utilizou dos princípios básicos da lei da Oferta e da Procura para desenvolver um sistema que acompanhava de perto a demanda para cada um dos milhares de vôos diários da American. Cruzando esses dados com a capacidade de flexibilizar preços - outra benesse derivada da desregulamentação, Crandall desenvolveu um sistema de múltiplas tarifas para cada vôo. Quanto mais cedo fossem adquiridas, menor o preço das passagens.

Os poderosos computadores do Sabre processavam bilhões de dados por segundo, trabalhando para otimizar o número de assentos disponíveis em cada classe de tarifa. Se o vôo estivesse com boa procura, as tarifas menores "desapareciam". Se o vôo estivesse vazio, os preços mais altos davam lugar às passagens mais me conta. Estmulando a demanda, mas controlando de perto os descontos, a American deu mesmo um salto em relação a qualquer concorrente. Essa é a base do sistema conhecido por Yield Management.

Em 1984, Crandall divulgou internamente um plano plurianual, o "Plano de Crescimento". Crandall, como visionário que é, estabelecia metas ambiciosas mas factíveis, que colocariam a American com líder da indústria antes da década acabar. Ninguém ousaria duvidar - nem interpor-se aos desígnios de Darth Vader.

Crandall transformou a American na maior empresa aérea do mundo. Seu prêmio foi ocupar o posto máximo da empresa. Esse e outros programas, decisões e medidas tomadas por Crandall, acabaram por lhe valer o lugar de Chairman of The Board e CEO - Chief Executive Officer - da American Airlines, sucedendo a Al Casey em março de 1985. O plano funcionou: em 1988, a American apresentou US$ 806 milhões de lucro operacional no ano, um recorde mundial até então.

Com uma frota renovada, Crandall ocupou-se então de expandir os serviços da American para fora dos Estados Unidos. A empresa já havia operado no Brasil em 1980, com um vôo pouco lembrado que unia sem escalas o Rio de Janeiro a Dallas. Da Eastern, a American arrematou as rotas para América Latina e iniciou a expansão ao sul do Rio Grande, reiniciando serviços ao Brasil e ao continente em 1990. Em questão de anos, a região poderia ser rebatizada de Latin AAmerican.

Em seguida a Europa e a Ásia foram conquistadas, com a inauguração de muitas rotas, alguma das quais compradas pela AA das finadas TWA e Pan Am. Para servir tantos novos mercados, a American anunciou somente num período de 14 meses, entre 1991 e 1992, a compra de 720 jatos da Boeing, McDonnell Douglas e Fokker. Preço das encomendas? US$ 23,15 bilhões. Outro recorde mundial.

Outra vantagem para a American, que comprou os jatos num período de recessão, pagando até 30% a menos que os preços de tabela - e os recebeu nos anos da bolha de crescimento da Era Reagan. Assim, enquanto nos anos 90 a American tinha nos gates os aviões necessários para a empresa crescer, os concorrentes, na melhor das hipóteses, tinham apenas encomendas.

Em 1998, Crandall deixou a American, colocando em seu lugar um homem que preparou para sucedê-lo, o canadense Don Carty. Aposentou-se por quiz, mas não parou: hoje, Crandall é consultor de várias empresas, entre elas a Allied World Assurance Company, Anixter International, Celestica, Clear Channel Communications, the Halliburton Company, e i2 Technologies. As águias não páram.

G. Beting

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