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YS-11: o samurai


A aviação comercial brasileira dos anos 60 parecia um show-room de turbohélices: se havia algum modelo em produção, estava voando no Brasil: Dart Herald, FH-227, HS 748, Electra, Viscount e finalmente, vindo do distante Japão, o YS-11, mais conhecido como Samurai. Todos eles escreveram história em nossa aviação. Agora é a vez de contar a saga do guerreiro japonês.

Origens

A construção de aeronaves no Japão derrotado na Segunda Guerra foi proibida pelos vencedores até 1952. Levantada a proibição, os nipônicos, sem perder tempo, formaram uma empresa para desenvolver novas aeronaves. Nascia a Nippon Aircraft Manufacturing Company (NAMC) com a missão de projetar uma nova aeronave comercial para curtas e médias distâncias.
A NAMC logo foi encarregada pelo governo para formar um consórcio que reunisse as empresas independentes Kawasaki, Fuji, Mitsubishi, Showa, Shin Meiwa e Japan Aircraft.
Juntas, numa organização décadas depois emulada pela Airbus, projetaram uma aeronave não pressurizada para 40 assentos, dotada de dois motores turbohélice. Em 1958 um mock-up em tamanho natural foi apresentado ao público, sendo chamado então de NAMC "Riviera" (ainda bem que o nome não pegou).
Subsidiado pelo governo, o consórcio fez algumas mudanças no projeto: aumentou o tamanho da aeronave e pressurizou a cabine. Em junho de 1959 começou a construção de 2 protótipos, sendo que o primeiro (JA8611) acabou voando apenas em 2 de agosto de 1962. Até então, não havia compradores para a aeronave designada YS-11 "Olympia".

Começo de vida

Patrioticamente, as empresas aéreas e o governo anunciaram as primeiras compras do modelo. A competição era grande naquela época nesse segmento e o YS-11 era um dos modelos mais caros. Um tour de vendas da aeronave acabou passando pelo Brasil, atraindo interesse da Cruzeiro e Vasp, quando as exportações finalmente começaram para os Estados Unidos, Coréia, Grécia, Filipinas.
A Japan Domestic Airways iniciou serviços com o YS-11 em de 1º de abril de 1964. O modelo YS-11A-200, com peso máximo maior e algumas melhorias, foi desenvolvido e se transformou na versão mais vendida, com 82 unidades. No total, 182 aeronaves foram construídas, a última sendo entregue em fevereiro de 1974. O YS-11 acabou trazendo prejuízos para o fabricante e para o contribuinte nipônico, pois o projeto foi quase totalmente financiado pelo governo.

YS-11 No "Buragiro"

Buscando um substituto ao insubstituível DC-3, as empresas brasileiras saíram às compras. A Cruzeiro foi a primeira a encomendar o YS-11 no Brasil. A Vasp foi a segunda, e resolveu batizar seus YS-11 (à exemplo de todos os aviões de sua frota até então) com o nome de Samurai, que acabou pegando. Era comum então os YS-11 da Cruzeiro serem chamados de "Samurai da Cruzeiro", embora isso não fosse "marketeiramente" correto.
Em 4 de setembro de 1967 o PP-CTA inaugurou os vôos do tipo no Brasil. A frota da Cruzeiro foi aumentando até chegar à 12 aeronaves (PP-CTA, CTB... até PP-CTL). A Vasp recebeu sua primeira aeronave em 14/11/68, matriculada PP-SMI. No total, foram oito Samurais: PP-SMI/J/L/M/N/O e mais dois, o PP-SMX e PP-SMZ, arrendados em 1969 por alguns meses, tendo servido anteriormente como PP-CTC e PP-CTD na Cruzeiro.
O YS-11 foi utilizado no Brasil até 1975, prestando excelentes serviços à ambas. Sofreu alguns acidentes durante o período, sendo dois especialmente trágicos: o PP-SMI entrou voando na serra de Petrópolis em 12/04/72, matando todos os seus ocupantes. Em 23/10/73 o PP-SMJ tentou abortar a decolagem no aeroporto Santos Dumont, mas acabou caindo na baía e afundou, matando sete ocupantes.
Em 17/08/77 o PP-CTE, após o pouso, varou a pista em Joinville e acabou parando parcialmente afundado no rio Cubatão. Foi reconstruído com partes e asa direita do PP-CTI e voltou a voar.
Em 18/10/72, o PP-CTG pousou no aeroporto de Congonhas sob forte chuva. Aquaplanando, perdeu o controle e quase cai no final da cabeceira. Acabou sucateado.
O PP-CTI em 29/04/77 foi acidentado após o pouso em Itajaí. Algumas partes, peças, além da asa direita, foram doadas para a reconstrução do PP-CTE.
O PP-SML da Vasp, em 07/11/71 no aeroporto de Aragarças, Goiás, iniciava decolagem quando teve de efetuar uma brusca manobra para evitar colisão com outro avião. Estruturalmente condenado, foi abandonado no aeroporto.

Voando no "Samurai"

Ainda hoje, no Japão, Filipinas e até no Caribe, 48 aeronaves sobrevivem comercialmente, aproximadamente 1/4 do total produzido. Em 1997, em viagem ao Japão, não resisti: cheguei no balcão no aeroporto de Haneda e perguntei se haveria algum vôo de YS-11 saindo nas próximas horas: a atendente estranhou, consultou o computador e disse: "Miyakejima". Sim, é pra lá que eu quero ir. Comprei o bilhete, embarquei no JA8761 e cumpri os dois trechos do vôo de 360 km entre Tokyo e a ilha. Fiquei 30 minutos no solo e retornei no fim da tarde, maravilhado de poder voar e escutar as turbinas Dart, que tantas vezes passaram sobre a minha cabeça quando eu era criança em São Paulo. Se não pude voar neles no Brasil, tive de ir para sua terra natal para poder matar minha saudade e voar no meu querido "Samurai".

Gianfranco Beting

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