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REAL Transportes Aéreos


Estamos no ano de 1943. Apenas dez anos antes a VASP havia sido fundada. O empresário paulistano Vicente Mammana Neto, apaixonado por aviação, decidiu criar mais uma empresa aérea paulista. Nascia a Companhia Santista de Aviação, que operaria com uma frota de aviões Stinson Reliant. A idéia no entanto não foi para frente, por vários motivos. Mas o desejo de Mammana em abrir uma empresa continuava. Em dezembro de 1945 finalmente ele pode ver seus planos não somente concretizados mas transformados num dos empreendimentos de maior sucesso na aviação comercial brasileira: a REAL - Redes Estaduais Aéreas Ltda.

Mammana, porém, não estava sozinho, contando com a valiosa ajuda de Linneu Gomes, ex-piloto da TACA e que durante os anos de atividade da REAL teve seu nome intimamente ligado à empresa.
O primeiro vôo foi realizado, com Linneu aos comandos, no dia 7 de fevereiro de 1946, operando entre o Aeroporto de Congonhas e o Aeroporto Santos Dumont. Naquele momento, a empresa já era conhecida pelo nome definitivo REAL Transportes Aéreos e sua frota era composta por três Douglas C-47. Antes do final do primeiro semestre de 1946, a REAL recebia autorização para ampliar suas rotas para Curitiba e as ligações para o Rio já eram três diárias, operando regularmente.
No final daquele ano, foi aumentada a capacidade oferecida, com a introdução dos dois primeiros Bristol 170 no mercado brasileiro. Os bimotores ingleses eram, naquele momento, os aviões de maior capacidade no país, transportando até 36 passageiros. Infelizmente sua operação não durou muito tempo, já que pouco mais de um ano depois de sua estréia foram descobertas falhas estruturais em um deles, levando à sua aposentadoria prematura. Como já havia mais de 10 DC-3 em operação, a malha aérea não sofreu muito com a redução de capacidade.

Os aviões da empresa tinham a figura de um coringa desenhada na parte dianteira da fuselagem, fato que é justificado através de duas versões: a primeira lenda dá conta que, por ser Linneu Gomes um exímio piloto também no carteado, ele teria ganhado o dinheiro para a compra do primeiro avião da empresa numa mesa de pôquer. Pela segunda (e não menos fantástica) versão, a figura na verdade seria a representação da fisionomia de um dos funcionários da empresa, um anão corcunda, visto por muitos como um "mascote da sorte" do préprio Linneu. Aqueles eram tempos onde a expressão "politicamente correto" ainda não existia...

Da segunda metade da década de 40 até 1955, a história da empresa foi marcada pela sua primeira grande expansão, feita através da compra de outras empresas menores. Em 1948 Linneu Gomes adquiriu a Linhas Aéreas Wright e dois anos depois foi a vez da LAN - Linhas Aéreas NATAL. Com essa compra, a frota da REAL chegou a 20 Douglas DC-3/C-47. Com a compra da LATB - Linha Aérea Transcontinental Brasileira, em agosto de 1951, a REAL expandiu consideravelmente sua malha na região nordeste do país. Entre 1954 e 1956 foram adquiridas também a Aerovias Brasil e a Transporte Aéreo Nacional. Finalmente, em 1957 a REAL adquiriu, das mãos de Omar Fontana, 50% do capital da Sadia e em contrapartida, Omar passou a ocupar um cargo na empresa de Linneu.
Logo após a incorporação dessas empresas, a frota da REAL chegou a invejáveis 117 aviões, dentre eles 86(!) Douglas DC-3/C-47 e 12 Convair, seis CV-340 e seis CV-440. Tais números a colocaram em 7° lugar no ranking da IATA em relação ao tamanho da frota, a mais alta posição já ocupada por uma empresa aérea brasileira.

Crescendo para fora

As primeiras rotas internacionais foram abertas em 1951, com vôos para o Paraguai, porém foi com a compra dos 87% da Aerovias que levou a REAL a alçar vôos verdadeiramente internacionais. A Aerovias foi aberta em 1942 e praticamente desde sua fundação realizava vôos cargueiros charter entre o Rio de Janeiro e Miami. Em 1947 recebeu a concessão para operar regularmente na rota, graças a acordo bilateral firmado entre os governos dos Estados Unidos e Brasil. Por ocasião do negócio com a REAL, era a única a operar para os Estados Unidos. Apesar da compra feita pela REAL, a Aerovias continuou operando com sua identidade própria, o mesmo acontecendo com sua coligada AeroNorte, que realizava vôos na região nordeste com bimotores Percival Prince, de origem britânica.

Em setembro de 56 a rota para Miami foi completada até Chicago. Foi também concluída a compra dos 85% da Nacional. A empresa, fundada em 1947, era a maior operadora doméstica naquele momento, servido nada menos do que 74 localidades com sua frota de 31 Douglas DC-3 e 10 Curtiss C-46 Commando. Assim como no caso da Aerovias, a Nacional manteve sua identidade própria, preservando inclusive sua pintura.

Portanto, em setembro de 1956 a REAL era formada por três grandes estruturas: sua própria, a da Aerovias/Aeronorte e a da Nacional. Foi então criado o Consórcio REAL, que nos três anos seguintes racionalizou a empresa, um trabalho grandioso, levando-se em conta o mix de aviões e rotas operadas. No final, o resultado foi uma densa malha doméstica que oferecia ao mercado brasileiro excelentes conexões a preços acessíveis.

No ano de 1960 o melhor tipo em operação nas rotas domésticas era o Convair 340. Ao todo seis unidades foram recebidas, todas no esquema de pintura original da REAL e que permaneceram em operação ao lado dos confiáveis DC-3 e dos DC-4 e Commandos. Logo depois foram recebidos os primeiros Douglas DC-6B, alocados nas rotas domésticas mais longas, assim como na malha internacional. Com sua introdução foi feita também a primeira grande alteração na pintura da empresa, com a adoção de apenas uma faixa de pintura sobre as janelas, que ao chegar perto do nariz , fazia um zigue-zague, lembrando um raio.

Em julho de 1960 veio uma nova expansão de rotas... que seria sua última: com a chegada de 4 novos Constellations, a REAL começou a voar para Tóquio, a primeira empresa brasileira realizando travessias do Oceano Pacífico. Em tempos de navegação convencional, muitas vezes astronômica (usando-se de um sextante) a travessia era no mínimo uma grande aventura. Apenas para dar um exemplo, depois de decolar de Los Angeles, eram feitas mais duas escalas (Honolulu e Ilha Wake) antes de chegar ao Japão.

No âmbito doméstico, a REAL teve a primazia de inaugurar serviços para a nova Capital Federal, em Brasília, antes mesmo do término de sua construção. Os primeiros vôos foram feitos em 1957, seguidos, logo depois, pelos da Aerovias.

Final conturbado

Em 1960 a REAL comemorou seu 14° aniversário com a expressiva cifra de 12 milhões de passageiros transportados, voando para sete países e com uma estrutura de dar inveja à outras empresas nacionais. A REAL tinha, por exemplo, sua própria escola de formação de pilotos e comissários e a proficiência técnica de seus tripulantes estava entre as melhores. Havia também o recorde brasileiro de horas de vôo, com mais de um milhão de horas voadas até então. A empresa preparava-se para receber aviões novos e dar os primeiros passos na era do jato: três Lockheed Electra II haviam sido comprados da American Airlines (com opções de mais dois) e os primeiros jatos, quatro Convair 880 estavam encomendados (mais tarde convertidos para três Convair 990).

Porém nada disso aconteceria. Aquele seria o último aniversário da empresa e seus últimos meses de vida foram marcados por diversas controvérsias. Até hoje os verdadeiros motivos que culminaram com sua venda para a VARIG e as condições nas quais o negócio foi realizado permanecem assunto de discussão.
De fato a empresa não passava por bons momentos, algo visto principalmente nos livros de caixa. Para completar, o Cmte. Linneu Gomes estava seriamente doente e afastava-se gradativamente da empresa. Além disso, diz-se que "forças ocultas" conspiravam contra a REAL. A compra dos Electras, por exemplo, foi ameaçada por pressões feitas pelos concorrentes junto ao DAC para que os aviões não viessem. Mito ou realidade, o fato é que o Departamento enviou nota ao CACEX solicitando o cancelamento da autorização de importação. A importação somente foi feita graças à intervenção do então Presidente Jânio Quadros. Mais tarde as "forças ocultas" dariam o troco...
Há aqueles que digam que a compra da REAL pela VARIG foi feita devido a pressões do mesmo Jânio, que temendo pela continuidade das atividades da empresa com o agravamento da saúde de Linneu, pretendia salvá-lade uma eventual falência.

A compra acabaria sendo decidida entre Rubem Berta e Linneu Gomes em uma reunião no Aeroporto de Congonhas. Com espantosa rapidez o negócio foi fechado, sendo fixado o valor de mais de 2 bilhões de cruzeiros pela totalidade das ações da empresa.

Ruben Berta, ironicamente, ao tomar o controle da REAL em suas mãos, tentou cancelar a vinda dos Electras. Porém a American Airlines não aceitou o desfazer o negócio e os cinco primeiros acabaram entregues, dando início a grandiosa carreira do dead duck (como era chamado por Berta) na Pioneira.

Assim, tão rápido quanto nasceu e cresceu, a Real desapareceu dos céus brasileiros. Foi uma passagem fulgurante como um cometa. Uma companhia que veio, cresceu arrebatadoramente, tomando participação de congêneres já estabelecidas, com grande ousadia e atrevimento, que eram características marcantes do Cmte. Linneu Gomes. Hoje, a praça defronte ao Aeroporto de Congonhas leva seu nome, numa manobra debochada do destino: tanto a Varig como a Vasp ficam sediadas, no aeroporto paulistano, na praça que leva o nome de um de seus mais formidáveis oponentes.

 

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