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Pan Am: a inesquecível


A Pan American World Airways, em sua versão original, é fruto das ambições do mais importante, influenciador e espetacular executivo de aviação de toda a história, Juan Terry Trippe.
Nascido em berço de ouro em 1899, Trippe aos dez anos foi levado por seu pai para ver uma corrida aérea entre os irmaõs Wright e Glenn Curtiss. Fascinado, nasceu ali sua paixão pela aviação.
Formou-se em Yale, e com a ajuda de seu pai banqueiro e de seus colegas, todos de famílias abastadas, levantou o equivalente hoje à US$ 5 milhões. Com este capital fundou a empresa. Esta havia vencido uma licitação governamental para abrir serviços aéreos postais entre os USA e Cuba.

Nasce um gigante

No dia 28 de outubro de 1927, decolou o primeiro vôo da empresa: partindo às 08:25 de Key West, Flórida, um pequeno monoplano Fairchild FC-2, uma hora depois tocou no solo em Havana, trazendo 120kg de correspondência. Era a realização do espírito visionário de Trippe, o mais ambicioso dos líderes de empresas aéreas. Seu sonho, acalentado desde a fundação da empresa, era dar a volta ao mundo -a palavra World na razão social da Pan Am existe desde seus primeiros dias.
Começou ajudado pelo holandês André Priester, diretor técnico, e Charles Lindbergh, consultor e mais tarde, diretor de operações. Em 1929 suas aeronaves serviam todo o Caribe, México e chegavam até Paramaribo na rota ocidental da América do Sul. Desciam também por toda a costa oeste sulamericana até Buenos Aires.
Ralph ONeill, outro empreendedor norte-americano, fundara sua NYRBA (New York-Rio-Buenos Aires) explorando a rota que empprestava seu nome à empresa. Trippe, numa controvertida manobra política, comprou de ONeill a NYRBA, ainda em 1929. Ao entrar na década de 30, os Sikorsky e Commodores da Pan Am voavam desde New York até Mar Del Plata.

Fazendo o impossível

Mas tudo isso ainda era pouco. Neto de um comandante de navios comerciais da classe Clipper, Trippe encomendou os hidro-aviões Sikorsky S-42, os maiores feitos nos USA na época. Em homenagem ao ancestral, batizou-os de "Clippers". Também achou que os macacões de vôo, usados até então, eram deselegantes. Decretou que seus tripulantes utilizariam novos uniformes com inspiração naval, como os antigos oficiais dos Clippers.
Era hora de atravessar o Pacífico. Enviou em 1931 Charles Lindbergh num vôo de emploração à China, via estreito de Behring. A rota era viável, mas perigosa demais. O que fazer?
Os hidroaviões sendo projetados naqueles dias, partindo de San Francisco, chegariam no máximo até o Havaí, mas depois não poderiam cruzar o oceano, pois não teriam onde pousar para reabastecer. Inconformado, Trippe foi à Biblioteca Muncipal de New York, onde sabia que estavam arquivadas velhas cartas de navegação, dos tempos do seu avô comandante.
Obstinadamente, vasculhou todos os mapas do Oceano Pacífico mas nada encontrou. Quase desistindo, leu um relato de uma tripulação que dava conta da existência de um atol até então desconhecido: fora batizado de Wake, mapeado e depois esquecido. Seria esta a solução? Estaria correta sua posição?
Trippe pressentiu que sim: enviou uma expedição de navio para as cooordenadas anotadas no relato: o atol estava mesmo lá, porém era pequeno e completamente fechado, como se fosse uma letra "O" boiando no meio do nada. Era impossível amerissar um hidroavião dentro dele.
Trippe desconsiderava a palavra impossível: "dinamite-se uma abertura" foi a sua ordem. O navio New Haven, o mesmo que fizera o reconhecimento, voltou ao Havaí, carregou em seus porões máquinas, homens e equipamentos e retornou ao atol à Wake. Lá, uma abertura foi dinamitada nos corais, transformando o atol em forma de "O" numa letra "U": era a entrada para pouso e decolagem dos hidroaviões Martin e mais tarde, dos Boeing 314. Também em Wake e depois em Guam, construiu hoteis para tripulantes e passageiros, escritórios, estações meteorológicas e depósitos de combustível.
Terminada essa epopéia, em 1935 um Martin M-130 batizado de "China Clipper" atravessou todo o oceano, chegando até Manila, Filipinas, numa viagem completada com 4 escalas intermediárias durante sete dias. O Pacífico era de Trippe. O Pacífico era da Pan Am.
Para quem conquista o Pacífico, o Atlântico é uma lagoa. Em 1937 os Clippers fizeram vôos de reconhecimento no Atlântico Norte. Em 1939, inauguraram vôos para a Inglaterra via Canadá e Irlanda e depois, para Lisboa via Açores. Mais um oceano no bolso.
Veio a Segunda Guerra: as aeronaves da Pan Am foram requisitadas no esforço de transporte. Em 1941 os Clippers passaram à ligar Lisboa via Brasil e África. Não satisfeito em servir tantos países, Trippe acreditava que era fundamental desenvolver sistemas de transporte aéreo que alimentassem seus vôos. Assim, a PanAm estabeleceu subsidiárias locais na China, Colômbia, Perú, apenas para citar algumas, de fato criando empresas aéreas, muitas das quais existem até hoje. Aqui por exemplo, tinha na Panair do Brasil sua empresa-satélite.

Dominando o mundo

Com o fim da guerra, Trippe encomendou seus primeiros aviões terrestres de longo curso: os DC-4 e Constellation. Com estas aeronaves, expandiu ainda mais os serviços. A empresa cresceu tanto que Trippe criou 3 divisões dentro dela: Pacífico, Atlântico e América Latina, cada uma gerenciada independentemente - e muitas vezes, competindo entre elas mesmas.
O que Trippe não conseguia eram vôos domésticos: o governo norte americano, tão liberal na concessão de rotas internacionais, negava-lhe seguidamente os vôos domésticos, necessários para encher suas aeronaves para as partidas internacionais. Azar, pensava Trippe: deixemos então o transporte dos caipiras com esses "Primitivos". Era esse o termo que Trippe usava quando se referia aos presidentes da Eastern, American, Delta, United e outras grandes empresas domésticas. Que, por sinal, sempre solicitavam rotas internacionais - e não eram atendidos.
Nos anos 50, a Pan Am ficou conhecida como "The Chosen Instrument" dos Estados Unidos, por ser a verdadeira empresa aérea de bandeira, "escolhida" por Washington. Em meados dessa década, suas aeronaves já davam a volta ao mundo, nos dois sentidos, atravessando todos os continentes. De São Paulo à Sydney, de Johannesburg à Jacarta, de Tokyo à Teheran, em todos os lugares, via-se as aeronaves azuis e brancas da Pan Am. O mundo, afinal, era uma bola azul, capturada na nova logomarca da empresa, carinhosamente conhecida como "blue meatball", a almôndega azul.

Os jatos

Em 1955, Trippe encomenda os primeiros jatos norte-americanos. São 20 Boeings 707 e 25 Douglas DC-8. O vôo inaugural ocorre em 28 de outubro de 1958, no aniversário de 30 anos da Pan Am, quando o primeiro 707-120 liga New York à Paris. Os jatos catapultam a já excepcional imagem da empresa para a estratosfera. Os 707 se converteram em máquinas de fazer dinheiro. Os anos 60 foram os anos PanAm: parecia que a empresa não fazia nada errado, nunca.
Mas fez.
Trippe previu que o crescimento no número de passageiros transformaria o 707 numa aeronave pequena para determinadas rotas. Foi até a Boeing e começou a discutir com o fabricante uma nova geração de jatos.
Numa famosa reunião com Bill Allen, presidente da Boeing, em meio à tensas discussões, Bill perdeu a paciência e disse à Trippe:
-Bolas, Trippe, compre de uma vez o avião e nós o construiremos!
-Não, respondeu Trippe, construa o avião e nós o compraremos.
Eles estavam falando do 747. Allen construiu e Trippe comprou: vinte e cinco jumbos ao preço de US$ 21 milhões cada. Foi o primeiro erro de Trippe, o primeiro golpe na Pan Am.

Mudança na sorte

Tendo encomendado o jumbo, Trippe decidiu que sua missão estava terminada. Em 7 de maio de 1968, disse adeus aos seus funcionários e deixou a direção da empresa, confiada ao seu vice-presidente e contemporâneo Harold Gray. Sem que ninguém soubesse, embora muitos pressentissem, era o princípio do fim da PanAm.
Gray morreu de câncer 18 meses depois e foi sucedido por Najeeb Halaby, ex-chefe do FAA. "Jeeb" assistiu seus caríssimos jumbos voando vazios, fruto da implacável recessão provocada pelo "Oil Shock" de 1973. Jeeb era piloto, e dos bons. Muito querido pelos colegas de cabine, sempre foi detestado pelos diretores "pilotos de escrivaninhas" e pelos acionistas, por sua "visão simplista" e "falta de raciocínio estratégico". Não aguentou as pressões e foi substituído pelo General Bill Seawell, autoritário Chairman que endureceu de vez as relações com os funcionários.
Nestes anos 70, a Pan Am começou a se desesperar com a falta de rotas domésticas. Até porque os "Primitivos" começaram a conquistar rotas internacionais. Algo tinha que ser feito. E algo foi feito, da maneira mais desastrada possível: a Pan Am comprou sua entrada no mercado doméstico, adquirindo a National Airlines de Miami por US$ 374 milhões. As duas empresas tinham a mesma chance de funcionar juntas quanto água e óleo. Suas frotas eram completamente despadronizadas. Os "azuis" da PanAm desprezavam os "laranjas" da Flórida, que por sua vez detestavam os esnobes de New York.
Meses depois, o governo desregulamentou o mercado. A mensagem era: voem para onde quiserem, pelo preço que desejarem, com os equipamentos que puderem. A Pan Am pagou 374 milhões por algo que poderia ter de graça.

A década da destruição

Essa besteira custou a cabeça de Seawell. Em 1981, Ed Acker, o novo chairman, foi trazido da Air Florida para dar um novo rumo à empresa. O primeiro novo rumo que deu foi para uma ilha do Caribe onde, por coincidência, tinha uma casa. Lá, Acker e sua jovem esposa passavam todos os seus fins de semana, indo e voltando num 727 que vivia vazio... exceto pelo casal sentado na primeira classe.
O texano Acker tomou conta da Pan Am como um cowboy: sentou sobre a empresa e bateu até cansar. Em 1982 por exemplo, a empresa perdeu meio bilhão de dólares. O fato de ser o primeiro chairman da empresa que não era piloto ofendeu a velha guarda. Em 1985, aconteceu a primeira greve na história da empresa. Mas o pior estava por vir.
Numa reunião de conselho, Acker anunciou, como se estivesse comentando sobre um jogo de beisebol, sua última jogada: "vendi o Pacífico".
Silêncio na sala de reuniões. Marty Shugrue, o número dois na empresa, quebrou o estupor: vendeu o quê? "Vendi a Divisão do Pacífico", completou Acker.
Pela bagatela de US$ 750 milhões, Acker vendeu à United Airlines todas as rotas para a Ásia, Austrália e ilhas do Pacífico, além de 18 Boeings 747 e Tristar 500. Era a maior fonte de lucros da empresa. Numa penada, a Pan Am encolheu 21%.
Shugrue questionou Acker, que argumentou ser esta a única alternativa para garantir a sobrevivência da PanAm. Nos corredores da empresa, a visão era outra: vendemos nosso braço direito.
Em seguida, Acker fez uma nova jogada: solicitou aos funcionários novas concessões salariais. Com este dinheiro, a Pan Am compraria a Braniff. Acker não conseguiu comprar a Braniff: conseguiu apenas um belo bilhete azul, para disfrutar em sua ilha do Caribe.
Tom Plaskett veio para suceder Acker no começo de 1988 e para colocar ordem na casa. A moeda da sorte parecia voltar a reluzir na empresa. Sua participação no Atlântico Norte crescera para 16% do mercado. A hemorragia financeira parecia finalmente estar sendo estancada. Ufa.
No dia 21 de dezembro, quando o espírito natalino já tomava conta dos escritórios em New York, o telefone tocou: o Clipper Maid Of The Seas, o 15º 747 construído, com 72.000 horas de vôo nas costas, caíra sobre o vilarejo de Lockerbie, Escócia, matando todos os seus ocupantes. A tragédia não apenas enlutou a empresa e toda a aviação. O desastre de Lockerbie destruiu a última chance de recuperação da PanAm. Seus 747 passaram a voar vazios, até seus últimos dias.

Cai o pano

Em Janeiro de 1991, estourou a Guerra do Golfo, reduzindo ainda mais o número de passageiros. As ações da PanAm, que um dia haviam batido na casa de US$ 75,00, valiam então, 9 centavos de dólar. Junk.
Desesperada por capital, a empresa continuou vendendo partes: foi a vez das suas rotas Européias do Atlântico Norte, vendidas em parte para a United, em parte para a Delta. Desprovida de vôos para a Europa, a PanAm voltara a suas origens, ligando os USA com a América Latina, e nada mais.
Continuava perdendo dinheiro, e muito: US$ 3 milhões, todo santo dia. Foi quando a Delta Air Lines ofereceu US$ 260 milhões para comprar a empresa. Tom Plaskett, encurralado, negociou esta soma e conseguiu elevá-la à 416 milhões em cash, mais o compromisso da Delta em assumir US$ 389 milhões em dívidas. A identidade da PanAm, vista anteriormente em qualquer aeroporto internacional do globo, seria agora mantida em vôos entre as Américas do Norte, Central e do Sul, e nada mais. Uma mera divisão cucaracha da Delta.
Quando os executivos da Delta abriram a caixa-preta do departamento financeiro da PanAm, encontraram, na expressão utilizada por de um deles, um "buraco negro". Estimaram o tamanho do rombo em US$ 1.7 bilhões. A Delta anunciou que não investiria nem mais um centavo na Pan Am.
Sem capital para continuar operando, o juíz Cornelius Blackshear declarou a falência da empresa. Horas depois, na tarde de 4 de dezembro de 1991, o 727-200 "Clipper Goodwill", procedente de Barbados, foi avisado pela torre de Miami que seria o último vôo da PanAm. O Comandante Mark Pyle, respondeu lacônicamente: "afirmativo". Instantes após, solicitou à torre autorização para executar uma passagem rasante sobre a pista 12. "Afirmativo, Clipper: o céu é todo seu", respondeu a torre.
O 727 finalmente pousou e veio taxiando lentamente, escoltado por caminhões dos bombeiros, que desenharam nos céus um arco de água, tradicional maneira de marcar despedidas na aviação. Funcionários, pilotos e até mesmo trabalhadores de outras empresas, com lágrimas nos olhos, cercaram o último Clipper assim que o 727 estacionou. Pyle cortou os motores, e junto com eles, uma era da aviação, escrita com bravura, pioneirismo e elegância pela mais carismática empresa aérea de todos os tempos: a inesquecível Pan American World Airways.

(Gianfranco Beting)

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