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Handley Page Dart Herald: nas asas da Sadia


Um sucesso para poucos

O Dart Herald, antes mesmo de voar, já tinha uma ambiciosa missão: substituir o lendário Douglas DC-3. Seu sucesso foi limitado em várias parets do mundo. Aqui no Brasil, por um curto período ele foi a principal aeronave da Sadia, futura Transbrasil. Essa história nostálgica você vê agora aqui no jetsite.

Em julho de 1952, a fabricante de aeronaves britânica Handley Page deu início ao desenvolvimento de uma nova aeronave, chamada então de H.P. 3 Herald. Designado para liderar a missão estava Edwin W.J. Gray, projetista-chefe da empresa.

O Herald original já possuía asa alta, mas deveria ser equipado com quatro motores radiais a pistão Alvis Leonides Major, com uma potência individual de 597 kW (800 hp). Em sua configuração normal, transportaria 36 passageiros ou até 44 em alta densidade. Sua construção era totalmente metálica, utilizando técnicas de soldagem a ponto, as mais utilizadas na época. Seu trem de pouso era do tipo triciclo escamoteável, com rodas duplas, recolhendo para frente.

Desde o início a Handley Page acompanhou o desenvolvimento dos primeiros motores turboélices e decidiu investir em uma versão bimotora do Herald, que poderia ser equipada com os motores Napier Eland, Rolls-Royce Dart ou Armstrong-Siddeley Mamba, mas logo descartou a possibilidade devido à baixa confiabilidade deste tipo de motor na época: os três estavam em início de desenvolvimento.

No dia 18 de janeiro de 1954, a diretoria da Handley Page autorizou a construção de dois protótipos do Herald, a um custo de 1,55 milhão de libras. O primeiro protótipo ficou pronto em Reading em junho de 1955. Matriculado G-AODE, fez seu vôo inaugural com duração de 30 minutos, em 25 de agosto do mesmo ano, pilotado por Hedley G. Hazelden, piloto de provas da empresa.

O primeiro protótipo, que tinha número de série 147, foi pintado nas cores da Queensland Airlines, da Austrália. Outras companhias mostraram interesse na aeronave e juntas, colocaram 29 encomendas.

O primeiro protótipo não possuía sistema de pressurização nem acabamento interno, que só foi utilizado a partir do segundo, matriculado G-AODF, número de série 148. Seu primeiro vôo foi realizado em 14 de agosto de 1956, com Hazelden no comando, e configuração interna completa para passageiros.

O Herald, no final de 56, já acumulava mais de 440 horas em seus dois protótipos, mostrando uma pilotagem fácil, com excelentes qualidades de vôo. Mas as turbinas Dart já mostravam todo o seu potencial voando nas asas do Viscount. Esta nova tecnologia acabou desanimando clientes potenciais do Herald, como a Australian National Airways e a Queensland Airlines as quais optaram pelos concorrentes diretos como o Fokker F-27 e o Avro 748, ambos turboélices. Isso fez com que a carteira de pedidos do H.P.R.3 Herald estacionasse em 35 encomendas, e a Handley Page amargou um enorme prejuízo.

Nasce o Dart Herald

A partir desse fracasso retumbante, a equipe de vendas da Handley Page finalmente enxergou que o futuro estava mesmo nos turboélices. O Herald foi reprojetado, recebendo a nomenclatura de H.P.R. 7 Dart Herald, recebendo dois motores Dart 527, com potência unitária de 1.570 kW (2.105 shp).

Além da remotorização, o Dart Herald recebeu uma estrutura ainda mais reforçada e a seção dianteira da sua fuselagem foi aumentada em 50,8 cm, para melhor ajustar o CG do avião, permitindo assim que sua porta de bagagem e embarque da tripulação ficassem ainda mais longe dos discos das hélices.

Visando uma radical redução de custos, manteve-se inalterado o projeto original das asas, bem como a posição original dos motores internos, além dos trens de pouso originais. Mas, como as hélices dos motores Dart tinham diâmetro maior que as anteriores e era necessário achar espaço para os escapamentos (mais longos), foi necessário deslocar os motores 76,2 cm mais para fora.

O protótipo utilizado para o Dart Herald foi o pioneiro G-AODE. Seu primeiro vôo foi realizado em 11 de março de 1958, no aeródromo de Woodley. Mas o protótipo teve uma vida operacional curta, tendo se acidentado (sem vítimas) em 30 de agosto do mesmo ano, quando voava rumo à feira de Farnborough. O G-AODE logo foi substituído: o segundo protótipo, que já estava sendo convertido para a nova motorização, fez seu vôo inaugural foi em 17 de dezembro de 1958.

Como todo sucesso depende de um bom programa de marketing, a Handley Page decidiu então demonstrar a sua aeronave pelo mundo. Durante 26 semanas, visitou 44 países, cobrindo mais de 44.300 km. O Dart Herald teve a sua aparição também no Brasil, passando em Porto Alegre nos dia 9 e 10, em São Paulo no dia 13 e no Rio de Janeiro nos dias 16, 17 e 18 de agosto de 1959.

Com uma breve passagem pelos trópicos, sua aparição definitiva seria marcada para um ano após, em 1960, quando o G-APWA saiu de Blackbushe em direção a Recife, via Dacar. Chegando ao Brasil, o sertão do Ceará havia sido atingido por chuvas torrenciais, o que causou uma enorme inundação. O Dart Herald deslocou-se de Recife para Fortaleza, transportando 2,5 toneladas de mantimentos, e até mesmo lançando provisões por pára-quedas para os sobreviventes ilhados na região.

Em suas demonstrações no Brasil, o G-APWA esteve presente em rotas típicas de DC-3 para a Cruzeiro do Sul, Navegação Aérea Brasileira (NAB), Panair do Brasil, Real, Sadia, Varig, Vasp e a Força Aérea Brasileira, tendo operado em 25 aeroportos.

Fim do programa e da Handley Page

As vendas do Dart Herald até 1968 somavam apenas 48 aeronaves. O último avião fabricado foi o 4X-AHN, s/n 197, entregue à companhia aérea Arkia, de Israel, em 16 de agosto de 1968. Desde então, nenhuma outra aeronave foi comprada. O investimento no Dart Herald havia sido grande, e o almejado ponto de equilíbrio, previsto para a 75ª aeronave vendida, estava longe de ser alcançado.

Problemas ainda maiores foram causados pela recusa do governo britânico em comprar uma versão militar da aeronave para a Royal Air Force e o cancelamento de parte das encomendas do bombardeiro Victor levaram a Handley a uma situação delicada. Com as finanças extenuadas pelo desenvolvimento do HP 137 Jetstream, em agosto de 1969 a Handley Page ficou sem alternativas e fechou as portas. O fabricante desaparecia dos céus, absorvido pela Hawker Siddeley (depois British Aircraft Corporation), dentro do esquema de fusões "patrocinadas" pelo governo trabalhista de então. No total, foram entregues 48 Dart Herald para 14 clientes em 11 países.

Nas (muitas) cores da Sadia/Transbrasil

Heralds para a Sadia

Algumas empresas aéreas têm suas histórias intimamente ligadas a um tipo de aeronave. A Southwest ao 737, a TAM ao Fokker 100, e Sadia ao Dart Herald. Os nove Herald operados pela Sadia/Transbrasil foram fundamentais para estabelecer a companhia como uma das principais operadoras no Brasil. Sua velocidade, segurança e conforto (para a época) foram decisivos para o crescimento da companhia.

Em 1963, a Sadia decidiu modernizar a sua frota e passou a buscar novas aeronaves para substituir os DC-3 de sua frota. Anglófilo de carteirinha, Omar Fontana estabeleceu negociações com a Handley Page para a compra de 5 Dart Herald. Antes mesmo do negócio ser fechado, por uma idéia de próprio Omar, conhecida na aviação como "Fly Before You Buy", o fabricante foi persuadido a emprestar à Sadia duas aeronaves para que fossem testadas nas rotas da empresa. Sendo assim, o primeiro Dart Herald a operar no Brasil foi o série 203 matriculado PP-ASU, que foi arrendado à Sadia em 6 de dezembro de 1963.

Pela negociação, a Handley Page teria de aceitar todos os Douglas DC-3 da Sadia como forma de pagamento. Tudo bem com o fabricante, mas então veio o inesperado. Enfrentando uma irremovível resistência, a compra das aeronaves foi negada pelo DAC, que somente aprovou o leasing de duas aeronaves. Omar Fontana, demorou nada menos que dois anos em idas e vindas para recolher todas as autorizações necessárias para à compra dos novos aviões.

Para isso foram 243 viagens entre São Paulo e Rio de Janeiro, catalogadas no Logbook que o comandante Omar sempre preenchia. Após um período extenso de negociações com nossas autoridades, finalmente em 1965 (depois que os concorrentes já haviam escolhido seus turbohélices) e com estoica perseverança, característica típica de Omar Fontana, foi fechado um contrato para a aquisição de cinco Dart Herald Série 200, num valor total de 1,5 milhão de libras.

O que viabilizou ainda mais a operação dos Dart Herald foi o subsídio da Rede de Integração Nacional (RIN), que havia sido criada há pouco tempo para cobrir os custos para vôos com destino à localidades de difícil acesso no interior do país. O subsídio oferecido era somente para aviões a pistão, mas com o famoso jeitinho brasileiro, a Sadia conseguiu encaixar o Herald no sistema. Para substituir o PP-ASU, outro Herald foi arrendado, matriculado PP-SDG. O curioso dessa matrícula foi que a Sadia havia solicitado ao DAC outro prefixo, o SDA, o que lhe foi negado devido ao fato de que a Viação Aérea Santos Dumont já detinha o direito dos prefixos PP-SDA até o PP-SDF. O PP-SDG chegou em Congonhas em 4 de outubro de 1964, e operou sob leasing por 13 meses, até ser finalmente comprado pela Sadia.

Operaram pela Sadia inicialmente nas rotas Rio de Janeiro/SP, SP/Londrina/Maringá, SP/Londrina/Maringá/Cianorte/Umuarama/Toledo/Cascavel e por último, SP/São José do Rio Preto/Uberaba/Uberlândia/Goiânia/Brasília.

Da nova encomenda, a primeira aeronave a chegar ao Brasil foi a PP-SDH, em janeiro de 1965, e a segunda em dezembro de mesmo ano, matriculada PP-SDJ. Entretanto, a Sadia já havia arrendado outro avião, o PP-SDI, que chegou em São Paulo em 30 de setembro do mesmo ano, e três meses depois, foi comprado pela Sadia. Depois de adquiridas as aeronaves, o PP-ASV foi devolvido à Handley Page. A frota não continuava a crescer: em 1966 outros dois Herald foram entregues à Sadia, o PP-SDL, sendo o último da encomenda de cinco, e o PP-SDM. Este já era um veterano da Sadia: era o antigo PP-ASV que retornava com nova matrícula.

A história do Herald no Brasil teve uma página triste: em 3 de novembro de 1967, o PP-SDJ foi perdido em colisão contra a serra da Graciosa, durante a aproximação para pouso no aeroporto de Curitiba, sob condições atmosféricas adversas. Para a sua substituição, foi arrendado da empresa britânica BUA outro aparelho, o PP-SDN, o último a ser acrescentado à frota da Sadia. De maio de 1968 até abril de 1973, a empresa operou em suas linhas com seis Dart Herald. As rotas mais voadas foram São Paulo/Londrina e Rio de Janeiro/São Paulo.

A operação dos Dart Herald na Sadia entrava em declínio: em 1974, três aeronaves foram arrendadas para a Taba/Nota - Transportes Aéreos da Bacia Amazônica/Nota - Norte Táxi Aéreo, onde voaram entre 1975 e 1976 nas rotas Belém/Caiena, que haviam sido operadas pela Cruzeiro do Sul e logo abandonada pela empresa.

A Taba/Nota então preencheu o vazio, obtendo lucros com o transporte de até 400 passageiros por mês. Em 2 de julho de 1975, a Cruzeiro do Sul fez uma reclamação junto ao DAC solicitando o cancelamento das operações da Taba/Nota nesta rota, já que a mesma era detentora dos direitos: logo o DAC suspendeu temporariamente a licença concedida à Taba/Nota. A mesma voltou a operar na rota dois dias depois, quando o DAC voltou atrás na decisão após uma revisão da reclamação e ao verificar que a própria Cruzeiro havia solicitado a suspensão dos seus vôos para Caiena.

Outro fato curioso na história dos Herald no Brasil foi que eles quase operaram na Vasp. A mesma chegou a fechar um contrato para a compra de 10 Dart Herald, como resultado de negociações que envolviam a Fairchild-Hiller (que oferecia o FH-227) e a Hawker-Siddeley, que ofertava o HS 748. Após a assinatura do contrato, a Vasp encaminhou ao Governo Federal a solicitação do aval para o financiamento da operação, o que levou um longo tempo e obrigou a mesma a cancelar a encomenda: a empresa acabou optando pelos YS-11.

Mas os dias do Herald estavam contados mesmo com a entrada em operação dos jatos: a Sadia começou a reexportar as aeronaves, em pagamento para os novos One-Elevens que recebia. Os primeiros foram o PP-SDG e o PP-SDN, que deixaram o Brasil em março de 1973 para servir à British Midland, seguidos um mês depois pelo PP-SDI. O PP-SDH e o PP-SDL foram em julho de 1976 para a British Air Ferries. O PP-SDM seguiu para o mesmo operador em agosto de 1976. E foi nas asas dele, justamente o terceiro Herald a ser produzido e o segundo a ser operado pela Sadia, que o tipo retirou-se para sempre de nossos céus.

Fernando Irribarra

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