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Boeing 707: a grande virada


A história mostra que muitas vezes, o destino de uma empresa já estabelecida pode ser alterado por um único produto. Grandes fabricantes de aeronaves que o digam: O L-1011 afundou a Lockheed. O SAAB 2000 foi um fracasso que custou à SAAB sua saída do mercado. Mas talvez o mais impressionante caso seja a Boeing, com seu modelo 707: ele mudou para sempre a sorte da empresa, tirando-a do último lugar entre os construtores de aeronaves comerciais norte-americanas para o primeiro lugar, posição mantida até hoje.

Concepção e parto difícil

Até 1952, época dos motores a pistão, a Boeing criou e lançou algumas aeronaves comerciais, nenhuma excepcionalmente bem sucedida. A empresa produziu o Boeing 247, logo eclipsado pelo lendário DC-3. Os modelos 307 e 377 perdiam feio para seus concorrentes, o Lockheed Constellation e os Douglas DC-4, DC-6 e DC-7.

Parecia que o destino da Boeing seria o de produzir bombardeiros e transportes militares, como os famosos B-17 e B-29. Com a advento dos motores à jato, a empresa de Seattle começou a produzir grandes bombardeiros impulsionados por reatores. Foi o caso do B-47 e depois, do famoso B-52. Surgiu então uma necessidade lógica: o reabastecimento em vôo desse grandes quadrijatos era feito pelos ultrpassados KC-97, movidos a pistão, que voavam bem mais devagar que os jatos. Era necessário desenvolver um avião-tanque movido à reação.

A fabricante de Seattle apostou tudo nesse novo projeto, que a exemplo do B-47 e B-52 tinha com asas enflechadas e motores suspensos em pilons, uma configuração inicialmente desenvolvida na Alemanha Nazista. A configuração inicial previa a colocação das asas sobre a fuselagem, como nos bombardeiros. A Boeing mostrou seus projetos à Força Aérea Americana, que gostou do que viu e solicitou o desenvolvimento de protótipos.

Sem perder tempo, a Boeing iniciou contatos com algumas empresas aéreas americanas. motrando a configuração geral do novo modelo. Entre elas, a poderosa Pan Am. Seu visionário fundador e presidente, Juan Trippe, já havia encomendado o pioneiro na reação a jato, o britânico de Havilland Comet, que entrara em operação em janeiro de 1953. Finalmente, em 14 de maio de 1954 as portas do hangar em Renton se abriram e revelaram o esguio e elegante quadrijato. Em 15 de julho, o protótipo decolou finalmente. Conhecido na empresa como Dash 80 (modelo 367-80) o jato amarelo e marron, cores oficiais da Boeing naqueles tempos, era comandado pelo folclórico piloto de provas "Tex" Johnston. Uma passagem deste personagem merece destaque.

Nesta época, Ed Allen levara alguns clientes potenciais para um passeio de barco nas cercanias de seattle. Instruiu Tex à fazer uma passagem baixa com o 707, em local e hora combinados. Tex aceitou a missão de bom grado, até porque Allen pediu para que o piloto chefe deixasse "os convidados impressionados."

Tex trouxe o Dash 80 em vôo baixo. Fez uma primeira passagem sobre o barco de Allen. Em seguida, veio para uma segunda passagem: apontou o nariz para baixo e simplesmente executou um tounneaux completo, para espanto dos convidados e horror de Allen. Consta que Allen quase demitiu Tex nesta data. Igualmente impressionada ficou a A USAF: satisfeita com o desempenho da aeronave, encomendou 29 tanques designados KC-135. Nascia um campeão.

A Douglas tenta reagir

A Douglas, então líder inconteste no mercado civil, anunciou seu próprio modelo de jato, o Douglas DC-8. Utilizando-se de motores mais potentes, os Pratt & Whitney JT4, o DC-8 era realmente uma aeronave de alcance intercontinental, enquanto o 707, equipado com motores JT3, não apresentava o mesmo raio de ação.

Mas Trippe ficou entusiasmado com a nova geração. Astuto, dividiu suas compras: em 13 de Outubro de 1955, a Pan Am encomendou 20 modelos do 707 e 25 Douglas DC-8. Foi um choque em Seattle. Seu avião já voava, enquanto o Douglas ainda não passava de um projeto. Os executivos da Boeing ouviram atentamente a explicação de Trippe: o DC-8 tinha uma fuselagem mais larga, capaz de acomodar seis assentos por fila, enquanto o 707 só comportava 5. Além disso, Trippe queria os jatos atravessando oceanos, e o DC-8 era o melhor para vôos longos.

Ed Allen, o presidente da Boeing, tomou a mais ousada decisão de sua carreira: "vamos alargar a fuselagem do 707 e desenvolver uma versão transcontinental". Um investimento de milhões de dólares, que talvez não produzisse retorno. O futuro da Boeing, com seus recursos já quase exauridos, estava em jogo.

A sorte estava ao lado da Boeing, de Trippe e da própria Pan Am. O 707 mostrou-se melhor que o previsto. Tornou-se o líder entre todos os jatos comerciais de primeira geração.

No total, 1012 foram construídos, incluindo-se aí o modelo 720 e os E-3 militares. Isso sem falar nos 820 tanques e derivados do modelo C-135. Compare as vendas do 707 e do KC-135 com o segundo colocado e principal competidor, o Douglas DC-8, com 556 unidades comercializadas. Fica claro perceber que o 707 deu à Boeing uma enorme vantagem sobre seus concorrentes, que a empresa de Seattle nunca mais perderia. Se hoje Boeing é sinônimo de avião, muito desta fama deve-se ao 707.

Em serviço

No dia 23 de agosto de 1958, o 707 matriculado N709PA realizou o primeiro vôo comercial norte-americano a jato, transportando carga e malotes entre New York e San Juan. Mas foi o dia 26 de outubro que entrou para a história: um 707 da PanAm, de prefixo N711PA, inaugurou os serviços comerciais com passageiros, voando entre New York e Paris.

A carreira do 707 começou em grande estilo. Com a entrada em operação de mais unidades e das versões 320, o 707 passou a ser visto nos quatro cantos do mundo: de Sydney à São Paulo, de Tokyo à Toronto, o 707 desbravou rotas, uniu povos, aproximou nações.

O 707 tornou-se sinônimo de viagens longas. Em sua versão 320, foi a aeronave que efetivamente transformou as viagens intercontinentais numa realidade. Econômico - para a época - confiável e bastante resistente, o 707 cumpriu com êxito suas missões.

Versões e variantes

O Boeing 707 é de fato, um avião excepcional. Some-se a isso o engenhoso marketing da Boeing, que desenvolveu modelos talhados para cada operador, alterando as dimensões, motores, pesos e outras características para melhor atender as necessidades de cada empresa, e você tem um produto imbatível.

A versão 707-120 é a inicial, de alcance limitado. Com motores mais potentes, surgiu a 220, utilizada principalmente pela Braniff. A mais vendida é a 320 Intercontinental, com motores Pratt & Whitney. Finalmente, a 420, também Intercontinental, utiliza-se de motores Rolls-Royce.

A versão 020 ou Boeing 720, tinha a fuselagem encurtada, especialmente desenvolvida para vôos domésticos nos EUA. Estas são as principais, mas foram construídas outras versões pouco conhecidas. É o caso do modelo -138, atendendo especificamente um pedido da Qantas, com fuselagem encurtada e grande raio de ação.

Boeing 707 no Brasil

Operaram regularmente com o 707 no Brasil as seguintes empresas: Air France, Aerolineas Argentinas, British Caledonian, Avianca, Royal Air Maroc, Pan Am, Lan Chile, Lufthansa, SAA South African, Ladeco, Pluna, Iraqui Airways, TAAG Angola, LAP Paraguyas, TAP Air Portugal, isso sem falar nas empresas cargueiras, que foram ainda mais numerosas.

A lista de operadores brasileiros do 707 é longa. A Varig recebeu seus primeiros 707, do modelo 420, em 1960. no total, foram 3: PP-VJA, VJB e VJJ.

Em 1966, começou a receber os modelos 320. Foram operados com os prefixos PP-VJH, VJK, VJR, VJS, VJT, VJX, VJY, VJZ, VLI, VLJ, VLK, VLL, VLM, VLN, VLO, VLP e VLU. Até 1989, foram usados em todos os vôos internacionais da empresa, embora nos últimos anos realizassem apenas vôos de carga.

A Transbrasil operou com 10 Boeing 707 entre 1982 e 1996. Começou com o leasing temporário do PP-VJS. E depois recebeu os 707-320 com os prefixos PT-TCJ, TCK, TCL, TCM, TCN, TCO, TCP, TCQ, TCR, TCS. Depois, alguns foram transferidos para a Aerobrasil Cargo: TCM, TCN, TCP.

Várias empresas cargueiras brasileiras utilizaram o 707. Foi o caso da Brasair (depois Beta Cargo), Vasp Cargo, TNT/SAVA, Skyjet e da Phoenix. Ainda hoje, o 707 pode ser visto no Brasil servindo as empresas cargueiras Beta e Skymaster.

Além destes, voaram no Brasil mais 4 Boeings 707 que a FAB comprou da Varig em 1987: os antigos VJY, VJX, VJH e VLK que receberam as matriculas FAB 2401, 2402, 2403 e 2404, respectivamente.

Apogeu e declínio

Os anos 60 foram os anos do 707. Mas em 21 de Janeiro de 1970, decolou de New York rumo à Londres o primeiro vôo comercial com um Jumbo 747, operado pela Pan Am. Essa data marca o início do fim do reinado do 707.

A crise energética de 1973 em nada ajudou: com o preço do barril de óleo explodindo, os custos de operação dos 707 começaram a se tornar proibitivos.

Os 747, DC-10 e Tristar, que surgiram nos anos 70, tinham custos por assento bem mais baixos. Os 707 foram sendo gradativamente substituídos pelos novos jumbos. Com isto, novos operadores do terceiro mundo passaram a voar com estas máquinas.

Mas a pá de cal foi o surgimento de novas medidas anti-poluição, tanto na emissão de gases quanto ruídos. As turbinas do 707 não passariam na nova regulamentação, conhecida como Stage Three, a terceira lei adotada isano reduzir a emissão sonora e de gases.

Desenvolveram-se abafadores de ruídos e gases, os famosos "hush-kits", mas estes representavam investimentos que muitas empresas não podiam ou conseguiam pagar. Além disso, acarretavam perdas de desempenho nos aviões.

Muitos países de primeiro mundo fecharam as portas para aeronaves que não cumprissem essas novas metas, o que fez com que o preço dos 707 no mercado desabasse. Era então comum o preço de um hush-kit ser mais elevado do que o do próprio avião.

Os últimos operadores de passageiros foram gradativamente aposentando seus 707. Nos Estados Unidos, o último vôo regular de passageiros foi com o N709PC da Guyana Airways, voando até dezembro de 1993. O último cargueiro registrado nos EUA foi o N707HE, que voou até 1999 com as cores da Challenge Air Cargo.

Na Europa, o último operador regular de passageiros foi a libanesa MEA Middle East, que substituiu seus 707 e 720 por A320 e A321. No Brasil, foi a LAP Paraguayas, até março de 1994. Hoje, é possível ver os 707 operando vôos de passageiros regularmente apenas no Irã, nas cores da Saha Airlines. Poucos operadores cargueiros nessa região do mundo continuam a adiar a aposentadoria deste brilhante avião. O 707 ficará para sempre como um dos mais belos e importantes jatos da história.

 

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