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Doze mentiras


Num país em que óleo de peroba é bronzeador, poucas coisas podem surpreender. Mentir virou esporte nacional. Jornalistas mentem. Juizes de futebol mentem. Agentes de viagem mentem. Presidentes de empresas aéreas mentem. Políticos, então, não cito pois é puro pleonasmo. Um, no entanto, merece citação, por mentir de forma patológica, até: o chefe soberano da nação.

Vamos nos ater apenas ao setor da aviação, onde até mesmo Pinocchio poderia ser considerado um amador. Nunca, na história de nossa aviação, mentiu-se tanto. Selecionamos as mentiras mais contumazes, as mais ouvidas nos últimos tempos. Bom proveito.

MENTIRA Nº1: A Varig não vai quebrar.

Não vai mesmo, pois já quebrou. Com menos de 50 jatos em operação, a empresa está sem qualquer condição para honrar suas dívidas. A empresa esá perdendo US$ 2 milhões ao dia. Em desespero, está dando descontos de até 60% para atrair o desconfiado público viajante, a qualidade de sua receita despencou. Com níveis de ocupação cada vez mais baixos e número decrescente de vôos, a Varig está tendo um tremendo prejuízo mensal, calculado em mais de US$ 60 milhões ao mês. A Varig, perdendo aviões a cada dia (nestas duas últimas semanas, perdeu todos os seus Boeing 737-500), não vai quebrar. Vai desaparecer como a Vasp e Transbrasil. Nem falência será decretada. Ela vai sumindo devagarzinho, afogando-se lentamente em suas dívidas. Um dia, triste dia, ela simplesmente pára. No caso da Transbrasil, esse dia foi 4/12/2001. Para a Vasp, 26/01/2005. Vai ser mais um caso típico de suicídio empresarial: a Varig começou a morrer há quinze anos. De 1990 para hoje, foi só ladeira abaixo.

MENTIRA Nº2: A Varig é um patrimônio nacional.

Não é. Ela pensa que é, age como se fosse, e morreu por isso mesmo. Ela é uma empresa privada que pensa como estatal: ineficiente, monopolista, arrogante. Matou a Panair, que era a nossa empresa de bandeira. Mas se você acha isso "um tropeço numa longa trajetória de sucessos", me diga: a Varig vem prestando, nos últimos anos, bons serviços? Dizer o que da companhia nos últimos 10 anos? A Varig parou de voar para a Ásia, saiu até de Portugal, o destino mais procurado por brasileiros no exterior. Voa uma frota despadronizada e antiquada, ineficiente. É essa a nossa empresa aérea de bandeira?

MENTIRA Nº3: A Variglog vai salvar a Varig.

Nem com a injeção direta de US$ 400 milhões, propalada na imprensa, a Varig sai dessa. Se o plano é concentrar-se nos mercados internacionais, voando 50 jatos, com 6.000 funcionários, então ela já quebrou: essa conta também não fecha. Vôo internacional sem alimentação doméstica não dá lucro, ponto final. A PanAm quebrou, em parte, por causa disso. Cinquenta aviões voando não pagam as dívidas. Quanto mais 50 aviões velhos, com o barril acima de US$ 70,00? Mentira.

MENTIRA Nº4: A aviação brasileira está em crise.

Não está. A parte das dificuldades conhecidas, dos escorchantes impostos cobrados, a aviação brasileira vai muito bem, obrigado. TAM apresenta lucros significativos. E a "low fare" Gol mostra lucro R$ 180 milhões somente nos três primeiros meses do ano. A aviação regional está em expansão. Em crise, cara pálida, estão a Varig, Vasp e Transbrasil. Coincidência serem justamente estas as três mais tradicionais empresas aéreas do Brasil? Claro que não: as três não souberam adaptar-se aos novos paradigmas do setor. São três pterodáctilos, dinossauros alados. Grandes e pesadas demais para voar. Infelizmente, o tempo delas passou.

MENTIRA Nº5: A aviação brasileira perderá mercado.

Estupidez. As concessões de linhas internacionais são dos governos, que por sua vez distribuem entre as empresas aéreas essas concessões de operação. Com o fim da Varig, o Brasil continuará com o mesmo número de freqüências internacionais. Ao governo caberá apenas licitar essas linhas, distribuindo-as segundo critérios próprios, às empresas aéreas brasileiras. Em questão de semanas ou meses, boa parte das rotas hoje operadas pela Varig serão cumpridas por empresas nacionais. O Brasil não vai perder uma freqüência sequer. Poderá apenas deixar de servir rotas sem retorno financeiro garantido. E isso é natural das leis de mercado.

MENTIRA Nº6: Milhares vão ficar desempregados.

Por um período, vão mesmo. Depois, não. Se lembrarmos que nos próximos 4 anos, nada menos que 150 jatos serão recebidos pela TAM e pela Gol, sem falar nas outras aéreas, é evidente que milhares de aeronautas e aeroviários terão de ser contratados. Pro pessoal do escritório, do gabinete com ar condicionado, a coisa fica preta, mesmo: nem todos vão voltar aos seus postos, mas são uma minoria. Afinal, a Varig é um cabide de empregos inacreditável. É por isso que quebrou.

MENTIRA Nº7: O turismo nacional será afetado.

Outra das falácias que se lê na mídia. Operadores, ex-ministros de turismo, todos uns cabotinos, aparecem agora defendendo saídas para a Varig. Quando tiveram alguma chance de fazer algo pelo setor, pouco ou nada fizeram, a não ser voar na primeira classe da Pioneira de graça, ajudando a enterrá-la. Um conhecidíssimo ex-ministro de turismo, afirmou que o fechamento da Varig iria significar a perda de "mais de 100.000 empregos no trade". Vale lembrar que a Varig não tem, hoje, nem 15% do mercado doméstico, não serve nenhum mercado com exclusividade, não domina rota alguma. O fim da Varig vai ser um espirro no mercado turístico nacional, não uma pneumonia dupla.

MENTIRA Nº8: O governo não tem culpa na crise do setor.

Tem muita culpa. Ao cobrar impostos que chegam até a 36% do faturamento das companhias, Brasília na verdade é sócia das empresas aéreas nacionais. Sócia sem risco, sem reclamação de passageiro, sem dor de cabeça. Na Europa, as aéreas recolhem, em média, 16% de suas vendas em impostos. Nos USA, apenas 7%. Como competir em pé de igualdade? Brasília, tire os pés de cima do tubo de oxigênio do setor!

MENTIRA Nº9: O governo nada fez para salvar a Varig.

Fez e faz. E como. A rolagem de dívidas de mais de R$ 9 bilhões, flagrantemente não pagas nem honradas é ou não é uma tremenda ajuda? Saiba você, leitor e viajante, que a Infraero tem de cobrar tarifas que estão entre as mais altas do mundo justamente por causa das incertezas quanto ao recebimento de más pagadoras como Transbrasil, Varig e Vasp.

MENTIRA Nº10: As empresas vão honrar bilhetes e milhas da Varig.

Vão nada. Vão apenas por um limitadíssimo espaço de tempo, e olhe lá. Empresa falida não paga ninguém. Bilhetes da Varig na mão serão apenas tristes recordações, sem valor algum. Quanto às Milhas: a única maneira de não perder as milhas do programa Smiles é trocando-as, imediatamente, por bilhetes em outras empresas da Star Alliance. A aliança é obrigada a honrar esses bilhetes, desde que estejam emitidos. Repito: corra e troque suas milhas do Smiles por vôos nas empresas da Star Alliance (Lufthansa, TAP, United, etc.). Reserve e emita os bilhetes imediatamente.

MENTIRA Nº11: O preço das passagens não vai subir.

Espere e veja. Anote alguns preços de trechos hoje, na TAM e na Gol. Daqui a um ano, compare, descontando a inflação. Cadê o CADE? Vem aí o duopólio, minha gente. Apertem os cintos!

MENTIRA Nº12: A Varig não vai fazer falta.

Essa é a maior de todas as mentiras. Os céus brasileiros vão perder muito de seu encanto sem a Estrela Brasileira. A longa trajetória da empresa, suas décadas de sucessos, o orgulho que a gente tinha da grande Varig dos anos 60, 70 e 80. Tudo isso vai deixar um gosto amargo na boca. A Varig é uma das marcas mais queridas do Brasil. Seu desaparecimento tem um componente psicológico forte, tipo a perda de Ayrton Senna. É um mito que se vai, uma saudade que fica. Para sempre.

25/04/2006

 

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