EDITORIAL  |  REPORTAGENS  |  FLIGHT REPORTS  |  AEROPORTOS  |  AERONAVES  |  COMPANHIAS AÉREAS  |  ACIDENTES

 

Emirates: milagre no deserto


Nos dias que anetecederam a feira de aviação ILA 2010, em Berlim, o CEO da Emirates (código IATA: EK), Tim Clark, mostrava uma crescente dificuldade em esconder uma grande novidade. A cada reporter que encontrava, invariavelmente Clark reforçava o convite para que comparecesse à feira, pois a empresa que ele dirigia teria "algumas novidades" para apresentar.

De fato, dias depois, com a presença de sua alteza Sheik Ahmed Al Aktoum, Chairman da Emirates, e da chanceler alemã Angela Merkel, o segredo foi revelado: a maior compra dos últimos anos - e provavelmente dos próximos anos também - foi anunciada: nada menos que 32 gigantescos A380. Somente esta encomenda está avalida em US$ 11,5 bilhões de dólares.

Diante da estupefação generalizada, a fleugma do britânico Clark mostrou-se presente: "Esta compra nada mais é do que a extensão de uma política vitoriosa de crescimento que estamos adotando há um bom número de anos."

De fato, para uma companhia, cujo primeiro voo foi em 25 de outubro de 1985, (empregando um A300 de segunda mão que recebeu da Pakistan International) não se pode pensar em outra palavra que não "sucesso" para descrever sua metórica trajetória. Dessa primeira e única aeronave, a empresa hoje opera 140 dos mais modernos jatos para 108 destinos em 6 países nos seis continentes; emprega 37 mil pessoas; tem nada menos que 10 A380 em operação e outros 80 por receber, parte de um total de 169 aviões encomendados; e, no mínimo tão incrível quanto estes fatos, consistentemente traz lucros aos seus acionistas e, para satisfação geral, entrega um produto claramente superior ao de suas concorrentes.

Imaginar que o sucesso da companhia deve-se ao fato da mesma ser francamente subsidiada pelo governo do Emirado de Dubai, é, no mínimo, mostrar desconhecimento dos fatos e dos feitos da companhia.

Os números não mentem. A Emirates decolou com um aporte de US$ 10 milhões do governo local e, nos anos seguintes, recebeu mais US$ 80 milhões dos Emires de Dubai. Isso foi suficiente para fazer a companhia prosperar. Nos anos seguintes, o governo recebeu dividendos. A partir de 1999, os Emires de Dubai amealharam nada menos que 1.3 bilhão de dólares depositados por sua companhia aérea de bandeira. A Emirates apresentou lucros em todos os exercícios desde 1985, com exceção do ano de 1986; a taxa de crescimento anual nunca ficou abaixo de 20%; durante os 11 anos iniciais, a companhia dobrou de tamanho a cada 3 anos e meio e hoje, dobra de tamanho a cada 4 anos. E nos dois últimos exercícios, sem sombra de dúvida dos mais difíceis em toda a história da aviação, a Emirates pagou dividendos aos seus acionistas da ordem de 793 (em 2009) e 260 milhões de dólares em 2010.

A pergunta é: qual o segredo da Emirates? O que ela faz, qual os diferenciais, qual a estratégia ou a visão que parece transformar areia em ouro? A resposta não é uma só, mas se tivesse que elencar um diferencial único da empresa em relação às suas grandes concorrentes - as empresas de bandeira da Europa e de alguns países da Ásia e Oceania - a resposta seria: a privilegiada localização geográfica de seu principal hub, Dubai.

É o seguinte. As companhias aéreas que antes dominavam os grandes fluxos de tráfego intercontinental eram sobretudo as europeias. Na Europa, as gigantes e competentes KLM, Air France, British, Lufthansa sempre transportaram algo em torno de 30-45% de seu tráfego em conexão. Ou seja: o principal destino dos viajantes não era exatamente a Europa, e sim pontos além. Explicando: boa parte do tráfego destas empresas era composta de, digamos, indianos viajando ao Canadá via Londres; brasileiros rumando à Tailândia via Frankfurt; mexicanos em viagem à Rússia via Paris; Californianos rumo às Maldivas via Amsterdam.

Isso sempre trouxe dividendos e tráfego à estas empresas, que sempre tiveram classe e qualidade para transportar esses fluxos globais de viajantes. Isso sem falar, é claro, naqueles que aproveitavam a conexão e passavam um tempo nas cidades-sede destas empresas, que dispensam apresentações. Mas, em comum, todas estas companhias tinham e sempre terão um grande entrave para competir com a EK: elas não conseguem (ainda) servir todos os destinos de suas malhas globais em voos sem escalas, ainda que tenham em suas frotas algumas das aeronaves de maior alcance da aviação comercial. Por exemplo, essas empresas europeias precisam fazer ao menos uma escala quando se destinam à Oceania ou ao Pacífico. As empresas da Oceania, inversamente, não chegam à Europa sem antes escalar em algum ponto da Ásia, Africa, ou subcontinente indiano. Com a Emirates, este entrave não mais existe.

Com a introdução de equipamentos de ultralongo alcance, a EK pode se vangloriar de literalmente unir o globo sem escalas a partir de Dubai. Assim, os 777-200LR e A340-500 da companhia voam sem parar entre o emirado e pontos tão distantes quanto os "3S": San Francisco, São Paulo e Sydney, voos com mais de 15 horas de duração. Assim, a empresa literalmente oferece ao mundo qualquer par de cidades, unidos por uma única escala em Dubai. E isso, empresa aérea alguma pode oferecer, com exceção de algumas companhias concorrentes da própria região, como a Etihad e a Qatar Airways.

As companhias aéreas de bandeira da Europa sentem-se - e com razão - afetadas pelos ambiciosos planos da Emirates. A Air France-KLM, British Airways, Lufthansa, Singapore e Qantas, percebem na Emirates uma competidora capaz de roubar enormes volumes de tráfego dos tradicionais aeroportos europeus como London Heathrow, Paris-Charles de Gaulle e Frankfurt. Destas companhias, a Air France e a australiana Qantas acusaram abertamente a Emirates de receber subsídios governamentais, bem como contar com privilégios por parte da empresa que administra o aeroporto de Dubai.

Em maio último, executivos da Emirates refutaram as acusações. Eles de fato registraram que a companhia recebeu 80 milhões de dólares do governo à época de sua fundação, o que seria de fato muito, muito menos do que as companhias acusadoras teriam recebido ao longo de décadas de seus respectivos governos.

A compra de 90 jatos A380 dá a exata medida da ambição global da Emirates. Além disso, Tim Clark não esconde que essas posições de entrega vão, na prática, retardar a eventual reação por parte das concorrentes ao vigoroso crescimento da companhia aérea de Dubai. Corrobora essa visão de longo prazo a inauguração, em 2011, do novíssimo aeroporto internacional de Dubai, o Al Maktoum International. Uma vez concluídas as obras, ele será o maior aeroporto do mundo, com capacidade para 160 milhões de pax ao ano, 12 milhões de toneladas de carga ao ano e nada menos que 5 pistas.

O fato é que a Emirates, emulando o também inegável sucesso da Singapore Airlines, percebeu que há e sempre haverá demanda para empresas que trabalharem com seriedade, visão, inovação e agressividade comercial. E isso tem de sobra a equipe de expatriados comandada por Tim Clark. Se você ainda duvida da irrefreável decolagem da companhia de Dubai, basta ver em todos os jogos da copa da África os letreiros "Fly Emirates", tão onipresentes quanto as insuportáveis vuvuzelas. Pode ter certeza: se você ainda não voou, provavelmente vai viajar bastante com a Emirates. Não duvido que seus filhos, então, vão ser membros ativos do "Skywards", o programa de milhagem da EK.

Gianfranco Beting

26/06/2010

Topo da página