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Viracopos: quem foi rei não perde a majestade

Viracopos. A simples menção desta palavra exerce em mim um efeito quase mágico. Cresci ouvindo o nome do mais importante aeroporto do interior paulista como sinônimo de viagens internacionais, uma verdadeira a Terra Encantada da Aviação. Afinal, até 1985 era lá e somente lá que os vôos intercontinentais com destino à São Paulo operavam. Viracopos era, portanto, sinônimo de viagens para terras distantes, base de operação dos aviões que vinham do frio, que vinham de longe. Somente em Viracopos, naquela época, é que se podia apreciar os grandes jatos que até então eu só vira em revistas: os magníficos Boeing 707, Douglas DC-8 e até mesmo os gigantescos e novíssimos Jumbos, os Boeing 747.

Viracopos (IATA: VCP - ICAO: SBKP) nasceu em 1960, junto com a geração do jato. Sua longa pista de 3.240m x 45m foi construída para receber com segurança os quadrimotores à jato de primeira geração: Comet, VC-10, DC-8, Convair 880, 990 e Boeing 707. Com a crescente utilização desses tipos a partir de 1958, era imperioso poder contar com um aeroporto de alternativa para o Galeão, na época o único com pistas longas o suficiente para receber os jatos. E foi pensando em buscar um local de condições climáticas ideais que os estudos começaram para a construção de um novo aeroporto internacional.

Não podiam ter encontrado lugar melhor: o espetacular micro-clima da região é garantia de boas condições operacionais até mesmo nos mais feios dias de inverno. Em dias assim, não é raro encontramos todos os aeroportos do sudeste do Brasil fechados ou operando nos mínimos, com exceção de Viracopos, que permanece aberto e recebendo vôos com destino à Pampulha, Tom Jobim, Guarulhos, Congonhas, Curitiba...

O acerto da localização, sob o ponto de vista operacional, no entanto, criou um obstáculo comercial: Viracopos foi parar no Guinness Book Of Records como o aeroporto mais distante da cidade que originalmente desejava servir, São Paulo: de algumas partes da capital paulista, a distância ultrapassa os 100km. Este foi e continua sendo o principal entrave para a consolidação de VCP como segundo aeroporto principal de São Paulo, pelo menos no transporte de passageiros. Porque em carga, pelo menos, Viracopos é hoje o maior do Brasil.

Antes de Guarulhos, vôos longos tinham de operar aqui e Viracopos conheceu seu esplendor. A princípio, os Boeing 707 da Pan Am e Braniff vinham da América do Norte. Da Europa, também com o 707, chegavam os vôos da Lufthansa, Air France e TAP. Os DC-8 da Alitalia, KLM, Swissair, SAS e Iberia pousavam aqui. Os Comet e depois os VC-10 da BOAC, depois os VC-10 da BUA . Da América Latina, vinham os Comet da Aerolineas Argentinas, Convair 990 da APSA, DC-8 da Viasa, 707 da Lan Chile e Avianca, entre outros. Não poucas vezes, era comum encontrarmos simultaneamente 3, até 4 Boeings 707 da Pan Am. Dá pra imaginar?

Em suma, naquela época pré-aeroporto de Guarulhos, Viracopos era o máximo em aviação comercial no estado de São Paulo. Mas a longa distância, sempre ela, deu origem a um tipo de serviço que tirou parte do tráfego intercontinental: os vôos de conexão em code-share, operados por aeronaves brasileiras arrendadadas por operadoras estrangeiras. A primeria foi a Sadia, que transportava os passageiros da Braniff entre Congonhas e Viracopos com seus Dart Herald.

A moda pegou e logo, os Boeings da Transbrasil, Varig e Vasp eram arrendados por algumas empresas para levar passageiros de Congonhas ao Galeão e em conexão com os grandes jatos quadrimotores intercontinentais, de lá cruzar os oceanos. Mas muitas operadoras optaram por continuar a operar no Galeão E Viracopos. 

Assim, operaram em VCP nos anos 70 e 80, vindos da Europa, a Lufthansa, Air France, Alitalia, KLM, SAS, British Caledonian, Swissair, TAP e Ibéria. Dos Estados Unidos, a Braniff e a Pan Am. Da América Latina, a Lan Chile (DC-10, 707 e 737), Aerolíneas Argentinas (747, inclusive com o SP), Aero Perú (L-1011 e DC-8), LAP (707), Ladeco (727). Da Ásia somente a JAL, com os DC-8-62 e da África a Royal Air Maroc, que trazia seu Boeing 707 em 2 serviços semanais.

Os vôos cargueiros eram da Flying Tigers (DC-8 e 747), Pan Am (747), TAP (707), Lufthansa (707 e 747), German Cargo (707 e DC-8), Lan Chile Cargo e Fast Air (707), Lineas Aéreas Del Caribe e Aeronaves Del Perú (DC-8), Emery e Southern Air (DC-8-63/73), Isso em caráter regular. 

Das empresas aéreas brasileiras, a Transbrasil tinha um vôo que saía cedo para o Rio (727) e depois a Vasp fez o mesmo. A Varig só operava cargueiros, e algumas vezes, um charter com os Boeing 707 e depois, com os DC-10. Viracopos era também usado para vôos de treinamento de tripulações e nestas ocasiões, aeronaves comerciais ficavam fazendo vários procedimentos de toques-e-arremetidas. 

 

Declínio

A inauguração de Guarulhos foi o grande divisor de águas da história recente de Viracopos. Em 25 de janeiro de 1985, GRU abriu suas pistas e um lento e inexorável esvaziamento de VCP começou. Empresas como a Ibéria, British Airways, TAP, Air France e SAS foram as primerias a mudar para o novo aeroporto. Outras, tais como a KLM, Alitalia, Swissair e Lufthansa, ainda resistiram mais tempo, praticamente até o início dos anos 90, quando também se bandearam para Guarulhos. VCP, com todos os seus predicados operacionais, foi ficando cada vez mais vazio, e praticamente converteu-se num aeroporto all-cargo.Empresas como a Itapemirim exploraram bem a oportunidade e montaram suas bases de operação por lá, mantendo acesa a operação do aeroporto então tornado deserto. Mas o tráfego de carga é instável, e pior para o observador, muitas vezes concentra-se durante a madrugada. Neste período, era comum ficar horas em Viarcopos sem ver nenhum movimento, uma cena melancólica, especialmente para quem viveu o boom dos anos 70. 

Só alguns anos mais tarde, em meados dos anos 80, é que VCP começou a receber outro tipo de tráfego: o das ligações regionais. Sobretudo a TAM, que começou trazer seus Fokker 100 para VCP e depois a Rio-Sul, ligações de tráfego regional começaram a dar alguma variedade ao movimento. As operações das empresas de parcels, tipo DHL, Fedex e UPS, começaram a ficar cada vez mais frequentes, bem como os vôos cargo intra-sulamericanos.

 

Real mudança

Mas o redentor de VCP foi mesmo o Sr. Fernando Henrique Cardoso, que como ministro do Itamar a Pior lançou o Plano Real. As importações explodiram e Viracopos começou a canalizar todo o tráfego cargueiro de um país sedento de novidades vindas do estrangeiro. Com o Real forte, atrelado ao dólar, não havia vôo cargueiro que bastasse: houve longos períodos em que a carga era tanta, que acabava amontoada, deixada sob lonas e tendas construídas às pressas nos pátios pela Infraero, enquanto o novo TECA - Terminal de Carga Aérea - não ficava pronto.

Entre 1994 e 1998, os anos deste boom de carga, as pistas de VCP voltaram a receber grande número e variedade de operadores: Cargolux, ACS, Cielos del Perú, LAN Cargo, TAMPA, Kalitta, Arrow Air, Challenge Air Cargo, Lufthansa Cargo, Air France Cargo, Aliatalia Cargo, UPS, apenas para citar as mais importantes, passaram a disputar espaço nos três pátios do aeroporto. 

No campo regional e doméstico, a Rio-Sul começou a aumentar a oferta, bem como as jovens empresas aéreas regionais, como a TRIP, Unex, Presidente, Total, JetSul, Interbrasil e Passaredo, entre outras, que passaram a voar regularamente para Viracopos.

Mas a festa não podia durar para sempre. E como dizia Vinícius, "Dia de festa é véspera de muita dor", o mesmo FHC que abriu a torneira como ministro tratou de fechá-la como presidente: o dólar desgarrou-se do Real e foi lá pra cima, arrastando como um busca-pé nossos sonhos de consumo. Viagens e compras voltaram a ser coisa dos muito ricos, a classe média parou de voar, de consumir, e a aviação sofreu diretamente. 

Viracopos, como a maioria de nossos aeroportos, começou a ver seu tráfego despencar a partir de 1999. Empresas aéreas, endividadadas em dólar, começaram a não mais conseguir honrar seus compromissos e igualmente foram para o beleléu. Digex, Unex, Passaredo, Phoenix, Via Brasil, Nacional, são algumas que passaram desta para a melhor. Outras como a Fly ou a TCB, operam como sombras do que já foram. 

 

Grandes Planos

Mas otimismo é um santo remédio e a Infraero, empresa que controla a administração dos aeroportos brasileiros, tem planos ambiciosos. Ciente que a capacidade de GRU deverá estar saturada em 2015, a empresa faz projeções de longo prazo que apontam para Viracopos, mais uma vez, como a melhor maneira de resolver o tráfego excedente da capital paulista. 

Não é a toa que de 1995 a 2002, a estatal investiu aproximadamente 90 milhões em obras de reforma e construção de um novo terminal de passageiros, além de investir em melhorias no TECA, que hão de torná-lo não apenas o maior, como de fato já é, mas também o mais moderno terminal cargueiro do Brasil. Com uma movimentação anual de mais de 150.000 toneladas de carga, VCP concentra mais de 50% de toda a arrecadação de impostos de importação/exportação por via aérea no Brasil. 

A Infraero espera investir mais de 250 milhões de reais até 2007 na melhoria das instalações no aeroporto, incluindo-se aí uma nova pista de 4.000m de extensão, melhorias nos terminais de carga e passageiros, que já em 2004 terão capacidade de 2 milhões/pax ao ano, trabalhando com folga ante aos 850.000 pax que efetivamente usaram as instalações em 2002. No total, trabalham 7.000 pessoas no aeroporto, em mais de 370 empresas que, direta ou indiretamente, estão ligadas ao histórico aeródromo.

 Mas com tantas boas notícias, uma especialmente ruim não poderia de ser mencionada: observar e fotografar aeronaves em Viracopos, antes um pazer acessível à qualque um, ficou praticamente impossível. Na laje do último andar do antigo terminal havia uma enorme área aberta, como um gigantesco terraço, de onde se podia observar as aeronaves numa posição extremamente favorável para fotos, sobretudo à tarde. Com a inauguração do novo terminal, o antigo foi fechado e as possibilidades para fotos zeraram em VCP. 

Não há planos a vista, por parte da Infraero, para a construção de uma área dedicada aos fotógrafos e entusiastas da aviação. Uma pena. Nos fins de semana, centenas de observadores, família inteiras, tinham por diversão ir para lá ver os aviões subindo e descendo. Para muitas crianças, jovens e adultos, Viracopos representava o primeiro contato com o mundo mágico da aviação, permitindo ver de perto os gigantes cargueiros, os imponentes jumbos. Quantas vocações aeronáuticas não terá despertado o saudoso terraço do antigo terminal? É difícil dizer, mas uma coisa é certa: que dezenas, centenas de famílias forma sustentadas com o resultante comércio que este público propiciava, seja na forma de lanches, bilhetes de estacionamento, de revistas e jornais... Para Viracopos ficar perfeito e se posicionar definitivamente para a condição de segundo aeroporto de São Paulo, é preciso conquistar não apenas passageiros e os containers, mas também a alma daqueles que sonham com aviação. Viracopos tem que voltar a ser, em nossas mentes e em nossos corações, o aeroporto que tão bem cuidava dos amantes da aviação, dedicando a eles uma área exclusiva, de onde possam ficar namorando as máquinas voadoras. 

Se a Infraero quer realmente trazer de volta ao Aeroporto Internacional de Campinas - Viracopos a importância que teve, então fica aí nossa sugestão: Novo terminal de passageiros, nova pista, nova torre, novo TECA, sim. Mas, por favor, uma área para podermos ver de perto os aviões. Não esqueçam de nós, os fãs, os loucos por aviões! 

A criança fascinada pelos jatos que ainda mora dentro de mim é quem pede, encarecidamente, no meio de tantas mudanças, um lugar para ela volta a sonhar. Não esqueça da gente, Infraero! 

 

Gianfranco Beting 

 

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