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Santos Dumont: olha que coisa mais linda

"Se o Calabouço vier a ser o Aeroporto do Rio de Janeiro, será, indubitavelmente, um dos melhores e mais belos do mundo." Jean Mermoz, pioneiro piloto francês, em artigo para a Revista Asas, 1º de novembro de 1934.

Como se nota, antes mesmo de seu nascimento, o Aeroporto Santos Dumont já encantava. Instalado na região central da Cidade Maravilhosa, é na opinião de muita gente um dos mais belos aeroportos do mundo. Atracado como uma belonave em meio à cidade mais bonita do mundo, a rica e longa história do aeroporto Santos Dumont (IATA: SDU - ICAO: SBRJ) é agora cantada em prosa e verso pelo Jetsite. 

 

Nasce o primeiro aeroporto da Capital Federal

Mermoz não sabia que a área do aterro do Calabouço seria escolhida para a instalação do primeiro aeroporto da Capital Federal. Até então, a idéia era a de se construir um terminal na região de Manguinhos. O Rio de Janeiro era servido até então por dois aeródromos, o do Campo dos Afonsos e o do Galeão, futura Base Aérea e tempos depois par valer no começo dos anos 60, o AIRJ- Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro - Galeão, atual Tom Jobim Internacional. Por mais que eu ame minha terra, São Paulo, me perdoe, mas não dá pra comparar uma cidade que batiza seu aeroporto internacional de Tom Jobim com outra que "elege" batizar o seu de Governador Franco Montoro.

Mas voltando aos anos 30, a capital do Brasil não dispunha de nenhum moderno aeroporto. A localização do aterro do Calabouço mostrava-se ideal, próxima do centro da cidade. A única precaução era a de observar a presença de uma pedra no meio do caminho, isto é, uma pedrinha chamada Pão de Açúcar, perfeitamente alinhada com a pista de pouso. Calabouço venceu Manguinhos e começou, ainda em 1934, a construção do que viria a ser o mais belo aeroporto do mundo.

Na terra em que Vinícius afirmou que beleza é fundamental, não se poderia deixar por menos. Porque para quem gosta de aviação, de aviões e aeroportos, a beleza (ou feiúra) dos terminais e aeroportos não passa desapercebida. Sim, aeroportos podem ser, como pessoas, bonitos ou feios, velhos ou novos. Como se fossem pessoas, alguns sabem envelhecer. Já outros, embora belos em sua juventude, envelhecem mal e acabam desfigurados pelo "progresso". Um bom exemplo é Congonhas. Há ainda os que já nascem irremediavelmente feios, como Guarulhos.

Aeroportos são pequenos ou grandes, o que acaba mudando muito sua relação com a espécie humana: se grandes demais, ficam pesados, distantes e impessoais. Os menores, como o Santos Dumont, têm um tamanho que considero ideal: você faz tudo a pé, sem andar demais. As escalas arquitetônicas são ideais, de modo que suas instalações tornam-se conhecidas e portanto, totalmente úteis ao viajante em pouco tempo.

O Santos Dumont nasceu, cresceu, viveu seu esplendor nos anos 50 e envelheceu com dignidade. Nem o incêndio do final dos anos 90 acabou com ele, embora hoje exista um plano que poderá desfigurá-lo para sempre. Mas melhor nem falar nisso. Falemos, então, de suas glórias. 

 

Esplendor

Pois bem, a partir de 1934 nada menos que 2.7 milhões de metros cúbicos de areia e de terra foram lançados ao mar, aterro que serviu de fundação para SDU. Em 1936, com grande formalidade, a Vasp inaugurou o primeiro serviço unindo o Rio à São Paulo e vice-versa. Dois Junkers 52 partiram das duas cidades, ao mesmo tempo, decolando às 08:40, e em duas horas chegavam ao final do percurso. Ou quase: ambas envolveram-se em incidentes durante o pouso. Os 17 passageiros em cada uma delas, desembarcaram sem maiores problemas, a não ser o susto. E a inauguração de serviços regulares foi adiada para 30 de novembro de 1936, quando o aeroporto do Calabouço já havia sido oficialmente rebatizado em homenagem ao Pai Da Aviação.

Operavam em 1937 algumas empresas aéreas: além da Vasp, a Cruzeiro (Ju-52 para Buenos Aires), Panair (Lockheed L-10 Electra para B. Horizonte) e a Pan American (DC-3 para Assunción e Buenos Aires), todas elas operando desde um galpão adaptado, pois o moderníssimo terminal de passageiros ainda se encontrava em obras. 

Saiu na frente a Pan Am, que juntamente com a Panair, construiu seu próprio e luxuoso terminal, que hoje é utilizado como sede do III Comar. Na época, este terminal era "anfíbio", pois recebia tanto os DC-3 como os hidro-aviões Sikorsky. Por sinal, a princípio o aeroporto era mesmo chamado de Estação de Hidros da Ponta do Calabouço, pois ainda era grande o número de operações de "aerobotes", sobretudo nas cores da PanAm, Panair e Cruzeiro do Sul. 

Mas o futuro da aviação comercial estava em aeronaves comerciais baseadas em terra e em função disso, no ano de 1938 a pista acabaria sendo ampliada de 700 para 1050 m de comprimento. Com a inauguração do terminal principal em 1938, feita em grande estilo pelo presidente Getúlio Vargas, finalmente o Rio de Janeiro tinha mesmo um aeroporto para chamar de seu. E então, o Santos Dumont começou a entrar em sua fase dourada, que se prolongaria pelos próximos 20 anos. 

Então o Rio de Janeiro era a capital política e econômica do Brasil. As grandes empresas lá tinham suas sedes, as belezas naturais da cidade, seus cassinos, enfim, atrações de todo tipo garantiam ao Rio e em especial ao Santos Dumont a primazia no transporte aéreo nacional. São Paulo era ainda uma cidade de menor expressão, e não "roubava" o tráfego do Rio como viria a fazer décadas depois, sobretudo após a inauguração do aeroporto de Guarulhos em 1985. 

As pistas e pátios do Santos Dumont ferviam. Sobretudo depois da Segunda Guerra, quando toda companhia aérea nacional e estrangeira que se prezasse voava para lá com seus DC-3, C-46 e depois com os Convair, Scandia, Constellation, DC-4, DC-6. Em 1947, quando a estação central, como a conhecemos hoje, ficou pronta, e a pista foi estendida em mais 300 m (total 1,350 m), pode-se dizer que o Santos Dumont entrou no seu período de apogeu.

O tráfego, intenso para a época, fez com que o DAC baixasse uma portaria neste mesmo ano, transferindo os vôos intercontinentais. Nestes, os DC-4, DC-6, Boeing 377 e Constellations eram obrigados a decolar mais pesados, e daí é que estes grandes quadrimotores à pistão passaram a operar obrigatoriamente nas pistas do Galeão. 

 

Inaugura-se a Ponte Aérea

Corriam então os anos 50, a década em que SDU operou no seu auge de importância. Toda empresa aérea nacional colocava SDU no seu mapa de rotas. Algumas empresas baseadas no norte do Brasil, inauguravam de alguma forma um serviço para o Santos Dumont, caso, por exemplo, da Paraense. E dá-lhe DC-3 e Convair, Dc-4 e Scandia: o ronco dos motores radiais sobre o Rio era constante, dia e noite. Era tanto tráfego que são desta época as duas colisões ocorridas entre aeronaves comerciais, em dois acidentes pavorosos com grande perda de vidas. O preço do sucesso.

O tráfego não parava de crescer, e continuaria assim até o final da década, quando foi inaugurado um conceito revolucionário, que iria ser de extrema importância na história do aeroporto. Corria o ano de 1959. O Brasil já despertava de seu berço esplêndido, tocado por Juscelino de um lado e tocando Bossa Nova de outro.

São Paulo já era a maior cidade do Brasil, graças à sua pujante industrialização. O Rio ainda vivia seus últimos dias como Capital Federal e centro político/cultural do país. Os 377 km que separavam as duas metrópoles eram cada vez mais vencidos por via aérea, o que gerava grande competição na rota: Real, Panair, Vasp, Varig e Cruzeiro brigavam pelo mercado. Muitas vezes, vôos destas empresas decolavam simultaneamente, vazios. Em seguida passavam-se até duas, três horas para saírem outros vôos rumo ao Rio. Todos perdiam, passageiros e operadores. Então, surgiu uma idéia revolucionária. 

No dia 6 de julho de 1959, os gerentes de aeroporto da Varig, Vasp e Cruzeiro uniram forças e e as três empresas começaram a ligar as duas principais cidades do Brasil com vôos escalonados alternadamente a cada 60 minutos, aceitando entre sí os bilhetes das congêneres. Nascia aí para o público viajante a Ponte Aérea, operada pela Varig com o Convair 240, a Vasp com o Scandia e a Cruzeiro com Convair 340. 

 

Declínio

Mesmo com a entrada dessa bossa-nova aeronáutica, no horizonte do SDU já se desenhava um lento e inexorável declínio de tráfego e prestígio. Em breve, o Rio deixaria de ser a Capital Federal, e São Paulo tomaria para sí o posto de cidade de maior importância no país. O eixo político-econômico agora era disputado pela ligação S. Paulo-Brasília, e com ele, parte do tráfego se ia.

Se de um lado os acontecimentos político-sociais no começo da década de 60 conspiravam contra o Santos Dumont, até mesmo na própria aviação ocorria o mesmo: o advento dos motores à jato significou uma perda de prestígio considerável para o aeroporto central. Os novíssimos 707, DC-8, Coronado, Caravelle e Comet com destino ao Brasil não podiam ser operado nos 1,350 m da pista de SDU. O Galeão passava a ser o único aeroporto realmente internacional do Rio, e rotas-tronco domésticas, que começavam igualmente a ser operadas or alguns desses jatos, mudaram-se também para a Ilha do Governador. 

A Ponte Aérea e os serviços domésticos com aeronaves turbo-hélices, principalmente na segunda metade da década de 60, é que passaram a formar o grosso das operações no SDU. Colaboraram também a FAB, com constante movimento no aeroporto, e timidamente, os primeiros serviços de táxi-aéreo e de aeronaves executivas, até hoje um importante segmento no mix de tráfego do aeroporto.

A década de 70 chegou e com ela, as empresas nacionais sobreviventes, amalgamadas em 4 grandes grupos (Varig, Vasp, Cruziero e Sadia) começaram a substituir ou complementar suas frotas com aeronaves à jato para uso nas rotas domésticas. Chegaram os primeiros 727, que invariavelmente operavam desde o Galeão. Assim, o Santos Dumont recebe mais um golpe, perdendo outra parcela de seu tráfego. E então, em 1975, aconteceram duas mudanças que seriam outros marcos na história do aeroporto. Neste ano, a Cruzeiro foi absorvida pela Varig e na Ponte Aérea, o DAC baixou portaria obrigando as empresas do pool a operarem exclusivamente com aeronaves quadrimotoras.

O Lockheed L-188 Electra e por um breve período, também o Vickers Viscount, serviram a rota. Em questão de meses, e com exclusividade até 1991, o Electra e o Santos Dumont passaram a confundor suas próprias histórias de forma indelével. 

 

Os anos da Ponte e a volta da competição

Na metade da década de 1970, as frotas de nossas empresas aéreas começaram a tomar o feitio para as próximas décadas, com a total aposentadoria de turbo-hélices como os YS-11, Dart Herald, FH-227, Viscount e AVRO 748, todos eles substituídos pelos 727 e 737. Assim, o Santos Dumont passou a ser território quase que exclusivo dos Electra, com exceção de alguns poucos serviços da Votec e Rio-Sul com seus Bandeirante. Foram os anos de ocaso para o Santos Dumont, anos de poucas alterações na aviação comercial brasileira, totalmente cartelizada e na prática, sem competição, com pouquíssimas mudanças no longo período até 1997.

Foi em 1997 que a TAM, voando com dois Fokker F27, inaugurou seu próprio serviço, batizado Super Ponte TAM e concorrendo com os Electras. A Rio-Sul também entrou na rota, escrevendo uma página especial: foi a primeira empresa aérea brasileira a operar com um equipamento nacional na linha, pois utilizava a princípio os EMB-120 Brasília nestas ligações. 

Mas como nada é eterno (nem os Electras), as constantes pressões da Vasp e Transbrasil para colocar os 737-300 na rota, fizeram com que em 11 de novembro de 1991, os céus do Brasil começassem a perder parte de seu encanto. Neste dia, os 737-300 de prefixos PP-SOL (Vasp), PP-VOS e PP-VOT (Varig) decretaram o início da aposentadoria dos Electra no Brasil. No dia 7 de janeiro de 1992 a transição para jatos estava completa, com a Transbrasil colocando em uso exclusivo na Ponte um único Boeing, a Vasp 2 jatos e a Varig, até 3 aeronaves, na hstórica proporção da divisão do mercado comercial de passageiros. Os anos de ouro, a Era Romântica da Aviação, como dizem alguns, se encerravam aí. Paradoxalmente, isso significou uma retomada de importância e tráfego para o Santos Dumont.

A criação dos VDC -Vôos Diretos ao Centro - criava uma brecha por onde trataram de passar, rapidinho, as empresas regionais. E você sabe: por onde passa um Fokker, passa uma revoada. Logo a TAM, Rio-Sul, Pantanal, Total, Nordeste, TABA e outras regionais voltavam a solicitar e conseguir acesso ao SDU, trazendo todo tipo de aeronaves de volta. Com isto, o número de cidades servidas diretamente pelo aeroporto voltou a crescer, depois de décadas em constante diminuição.

Logo os Boeings começaram a dividir pátios e pistas com aeronaves como os Brasília, Fokker 27, 50 e 100, Bandeirante e tipos menos comuns como os ATR, Dash 8, e hoje em dia, até os exóticos Let 410. O número de operadores e serviços passou a oscilar barbaramente: um dia, operavam Pantanal, Interbrasil, Total. No dia seguinte, entrava uma Passaredo, Trip ou Taba. Um perfeito reflexo da "desregulamentação branca" adotada pelo DAC nos neo-liberais anos pós-Fernandinho Collor de Mello. 

Muita gente entrou, muita gente saiu. Até a própria Ponte Aérea sumiu, sem se despedir: a Vasp desejava há tempos separar-se do pool e a própria Varig não fazia muita questão de manter-se ligada à empresa de Canhedo. A Transbrasil não tinha fortes opiniões a este respeito e assistia aos acontecimentos e estas enfrentavam já a TAM dos salamaleques e Fokker 100. Sucedeu assim, tão na surdina quanto começou: a Ponte Aérea foi extra-oficialmente extinta.

 

O Santos Dumont hoje

Aberta a temporada de competição em março de 1999, a TAM colocou os A319-100 em operação na Ponte Aérea travando em competição com os 737-300 e 737-500 da Varig/Rio-Sul. A TAM, que deixara de ser regional para ser a gigante que hoje é, entrava com tudo no Santos Dumont. A Varig, Vasp sentiam dificuldades e a Transbrasil definhava. A aviação brasileira mudaria novamente.

No final de 2001 a Transbrasil bateu as botas, atolada em dívidas e irremediavelmente órfã de seu presidente e fundador, Omar Fontana. Antes, seu espaço já havia sido tomado pela Gol, que entrou com bola e tudo na aviação e também no Santos Dumont. A TAM e a Rio-Sul, já maduras, perdiam o interesse e o foco para servir mercados regionais, abrindo espaço para a criação de outras empresas aéreas como a Team e a Ocean Air, que hoje servem o aeroporto.

Hoje, em meados de 2003, Varig e TAM ensaiam sua fusão e criam na prática outra vez (embora sem assumir) um pool de operações entre sí, quase que uma versão "anos 2000" da Ponte Aérea. A Vasp com seus serviços limitados à vôos para Congonhas e a Gol cada vez mais atrevida, com seus 737 Next Generation laranjinhas, dividem hoje os pátios e pistas do mais belo aeroporto do mundo. Completam a paisagem os Brasília da Ocean Air, os LET da Team, os Bandeirante e Hawker 800 da FAB. Isso sem falar nos vários jatos executivos que operam por todo o dia levando seu passageiros importantes.

 

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça

Embora o tráfego tenha sofrido sensível diminuição, SDU ainda fascina. Sua localização "abençoada por Deus e bonita por natureza" garante ao fotógrafo e entusiasta sempre ângulos favoráveis, como acontece com uma moça bonita que vem e que passa. Veja as fotos desta matéria e diga se não é verdade.

E, como é único no mundo, sua localização privilegiada permite um ponto espetacular para realizar fotos: fica no lado oposto ao terminal, junto à cabeceira 02, em frente à Escola Naval. Os aviões passam tão baixinho em relação à pista que até acidentes já provocaram, ao arremessar um taxi contra as pedras do quebra-mar.

Mas se essa é uma página triste, é exceção. E como dizem as canções, da janela do avião vê-se o Corcovado e o Redentor, que lindo. Um desembarque no Santos Dumont acaba num instante com qualquer tristeza, pois observando ao longe aquelas serras de veludo, sorrio para o Rio que sorri de tudo, que é dourado quase todo o dia e alegre como a luz. 

Chegar ao Rio pelo velho e bom Aeroporto Santos Dumont é uma benção, um cartão de entrada mais do que apropriado para a Cidade Maravilhosa, que merece ter - e tem - o mais belo aeroporto do mundo. 

 

Gianfranco Beting

 

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