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NHT



A alvorada de 8 de dezembro de 2006 foi digna de cinema. Uma camada de cirrus cobria Porto Alegre e as primeiras luzes da manhã explodiram nos céus gaúchos, coloridos em matizes de rosa, amarelo, laranja e colorado, como se diz na República Farroupilha. Cheguei ao Salgado Filho às 06h00 e fui diretamente ao balcão da NHT, apresentando-me para embarcar num vôo circular da companhia: Porto Alegre (POA) - Pelotas (PET) - Rio Grande (RIG) - Porto Alegre (POA). Aproveite e embarque conosco neste Flight Report.

O check-in foi feito de forma amistosa e sem qualquer problema. Não havia malas a despachar e em segundos rumava para o portão 9, de onde sairia o ônibus que me levaria à aeronave escalada para o vôo 9102, POA-PET-RIG. Naquela manhã, o vôo seria feito pelo LET 410 UVP E20 de matrícula PR-NHB, segunda aeronave recebida pela NHT, a jovem empresa aérea regional gaúcha.

No portão de embarque, eu e os demais passageiros contamos com as atenções de Luiza Wapler, jovem assistente de tráfego que nos acompanhou até a porta da aeronave. No trajeto até o moderno turboélice tcheco, o sol raiou, enchendo o pátio do Salgado Filho com uma luz dourada, que realçava ainda mais as cores escolhidas pela NHT, o vermelho (perdão, colorado) e amarelo sobre fundo branco. Nem precisava dessa ajuda divina: as cores da companhia sempre se destacam.

No pátio, o PR-NHB, batizado de "Antares", recebia as últimas atenções. O serviço de abastecimento havia sido concluído minutos antes, e as poucas bagagens trazidas eram acomodadas na aeronave enquanto os passageiros desciam do ônibus. Na porta da aeronave, o comandante Marquardt, escalado para o vôo, recebia os passageiros que voariam as 137 milhas (220 km) que separam a capital gaúcha de Pelotas e seu Aeroporto Internacional Federal (IATA: PET, ICAO: SBPK).

Embarcamos rapidamente. A primeira impressão foi bastante positiva: avião novinho, entregue há alguns meses, veio zerinho de fábrica. Assentos confortáveis, em couro cinza, espaço individual muito razoável em fileiras dispostas na configuração 1 + 2 assentos. Portas fechadas, havia 11 pessoas a bordo. Nove passageiros, ocupando as 19 poltronas disponíveis, mais o comandante Marquardt e o primeiro-oficial, Vicentim, completavam a ocupação do LET 410.

Belo avião esse L 410 UVP-E20. Mais de 1.000 unidades foram construídas na fábrica da LET em Kunovice, República Tcheca. A aeronave utiliza dois motores Walter M601, tracionadas por hélices Avia V 510 de cinco pás. O peso máximo de decolagem da versão escolhida pela NHT, a E20, é de 6.600 kg e o alcance é de 770 milhas náuticas (1.426 km). Embora o modelo tenha sido desenhado nos anos 60, a produção de versões muito modernizadas, como este modelo da NHT, permanece ativa até hoje. A velocidade máxima do LET é de 388 km/h, embora normalmente cruze a 310 km/h. O teto máximo é de 7.000 m, visto que a aeronave não é pressurizada, e a máxima razão de subida é de 468 m/minuto. A carga útil é de 1.615 kg. Hoje há mais de 300 aeronaves do tipo em operação com companhias aéreas no mundo todo.

Jeffrey Kerr, diretor comercial da empresa, explicou a este repórter a proposta da NHT: Noos conceito é de operar no atendimento do mercado regional de transporte aéreo de passageiros e encomendas expressas, interligando as capitais dos estados do sul do país, com as cidades do interior, permitindo assim a conexão para os grandes centros do país.

As duas primeiras aeronaves ligam Porto Alegre às cidades de Santa Maria, Rio Grande, Pelotas, Santa Rosa, Horizontina, Caxias do Sul, Navegantes (SC) e Curitiba (PR). Em breve, as cidades de Uruguaiana e Santana do Livramento (Rivera) vão ganhar serviços regulares. Kerr não esconde que os planos da empresa vão muito além: "Estamos estudando a introdução de aeronaves maiores, de até 70 assentos, e não descartamos a utilização de jatos. Não voaremos em competição direta com grandes empresas, mas desenvolvendo ligações há anos abandonadas pela empresas regionais, sobretudo nos estados meridionais do Brasil." Vôos regionais internacionais estão também na proa da companhia. "Ligações do Rio Grande do Sul com países vizinhos fazem parte de nosso plano estratégico" adianta Kerr. Para permitir essa expansão, outras quatro unidades do Let 410 UVP E-20, devem chegar ao Brasil até o final de 2007, sendo que dois chegam agora em março e abril de 2007. À medida que forem entregues, permitirão a ampliação de destinos e freqüências operadas pela empresa.

Mas voltemos ao vôo: portas fechadas, os motores foram acionados e o primeiro-oficial Vicentim chamou a freqüência de solo pedidndo autorização para taxi. Pesando 6.060 kg, o LET iniciou o vôo 9102 precisamente as 06h40, horário cravado de partida. Seguimos o Boeing 737-300 PP-VPY da Varig para a cabeceira 11 e logo alinhávamos, esperando apenas a autorização da torre do Salgado Filho para decolar. Ela veio às 06h44 e Marquardt não perdeu tempo: encheu a mão nos manetes. O valente LET ganhou os céus após uma corrida de 20 segundos, tempo necessário para ultrapassar a V1 (81 nós, 150 km/h) e atingir a V-R, com 89 nós (164 km/h). Trens recolhidos, executamos a subida por instrumento Toxa 1, transição Genus, e em seguida subimos numa proa praticamente sul antes de fazer uma curva antes de entrar na aerovia A309 que seria utilizada até Pelotas. Subíamos 1.000 pés por minuto, e as 07h00 já nivelávamos em nossa altitude de cruzeiro. O LET voava a 8.000 pés (2.438 m) de altitude, o que praticamente transformava o vôo numa aula de geografia.

O sol baixo, nascendo a leste, iluminava com uma luz razante as plantações e as águas da Lagoa dos Patos. Uma camada baixa de nuvens criava belos efeitos de claro/escuro, tornando a viagem ainda mais interessante. Essa aviação regional, quando operada com seriedade e segurança, (como é o caso aqui) é mesmo um espetáculo. Os vastos arrozais nos alagadiços e açudes às margens da Lagoa dos Patos brilhavam sob o sol. Bandos de aves, batuíras, maçaricos e piru-pirus, aproveitavam as primeiras horas das manhãs para fazer o desjejum, atacando os arrozais em formações compactas, que voavam rentes ao solo. O Rio Grande do Sul tem uma fauna de aves costeiras estimada em pelo menos 33 espécies. Um lindo espetáculo, que valeu mesmo como entretenimento de bordo.

O vôo seria mesmo curto. Nossa velocidade indicada (IAS) foi de 154 nós, ou 285 km/h. As 07h20 os motores foram reduzidos e o cmte. Marquardt virou-se para trás e fez sinal para que me aproximasse, o que não foi difícil, pois ocupava a poltrona imediatamente atrás dele. O comandante apontou para a frente e me mostrou, no horizonte, a bela região onde está Pelotas e disse: "Olha aí Pelotas, já estamos quase lá". O LET foi então descendo gradativamente e passou à oeste da pista, iniciando então uma aproximação visual para o Aeroporto Federal. Tocamos no solo (pista 06) as 07h29, um minuto antes do horário previsto, cortando os motores três minutos depois. Foram exatos 45 minutos de vôo, durante os quais consumimos 250 kg de combustível. O cmte. Marquardt virou-se para trás e despediu-se dos três passageiros que desembarcaram.

Aproveitei para descer e fui recebido pelo representante e agente da NHT em Pelotas, Mauro Cunha e sua esposa. Muito gentil, Cunha nos recebeu com a tradicional simpatia gaúcha. A acolhida foi completada com uma fatia de cuca de goiaba e café fresco, servidos na sala de despacho da empresa, adjacente ao pátio de manobras. A aeronave não precisou ser reabastecida e apenas aguardávamos o horário previsto de partida. Fiquei proseando com o cmte. Marquardt, gaúcho de Erechim, que me contou sobre sua fascinante carreira. São 35 anos de experiência e mais de 15.000 horas de vôo. A maioria, operando em regiões remotas do Brasil, voando tipos clássicos como os DC-3. O cmte. Marquardt, por sinal, foi um dos pilotos do "Dakota" que até recentemente emprestou sua graça ao Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo.

Mas era hora de partir. O cmte. Marquardt retornou ao LET e logo o seguimos. Porta fechada, motores acionados, sem qualquer tráfego no aeródromo, saímos rumo à pista 06 as 07h45. Decolamos pesando 5.596 kg cinco minutos depois, para a curtíssima etapa até Rio Grande: a distância entre os dois aeroportos é de apenas 27 milhas, ou 43 km. O LET subiu numa razão de 500 pés por minuto e estabilizou a 1.500m de altitude, sobrevoando a belíssima região e rumando para leste, descendo poucos minutos depois no aeroporto de Rio Grande. Nossa velocidade indicada (IAS) nesta curta etapa foi de 170 nós, ou 315 km/h. Em 12 minutos, as 08h02, estávamos de volta ao solo, concluindo o vôo 9102.

Todos os passageiros desembarcaram nesta etapa. Após o embarque local, com 10 passageiros, o LET iniciou o vôo 9103, sem escalas de Rio Grande a Porto Alegre. O tempo em solo foi curto, novamente 12 minutos, e as 08h14, um minuto antes do horário publicado de partida, iniciamos o taxi rumo à pista. Potência aplicada, decolamos às 08h18, pesando 5.930 kg. Deste total, 650 kg era combustível, que utilizaríamos para nosso retorno a Porto Alegre. Nossas velocidades foram: V-1 de 84 nós (155 km/h), V-R 89 nós (164 km/h) e V-2 92 nós (170 km/h).

O LET fez uma suave curva à esquerda e ganhou a proa direta de Porto Alegre, nosso destino final, subindo a uma razão de 800 pés por minuto. Estabilizamos no nível 70, 7.000 pés, e prosseguimos sobrevoando a belíssima paisagem da Lagoa dos Patos. Aproveitei e tive tempo então para ler o jornal Diário Popular de Pelotas, distribuído durante a escala na cidade, e que seria a única leitura de bordo. Esse seria o mais longo trecho voado no dia, com 155 milhas de distância (250 km) a separar o aeroporto de Rio Grande ao Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Nossa velocidade indicada (IAS) nesta última etapa foi de 161 nós, ou praticamente 300 km/h, enfrentando algum vento de proa.

Pouco mais de 40 minutos depois da decolagem, iniciamos a descida. O controle de tráfego nos autorizou a descer segundo a STAR (Standard Terminal Arrival Route) Charlie Uno, para a pista 11 do Salgado Filho. Entramos no tráfego e as 09h08, tocamos suavemente a pista, saindo na primeira intersecção à esquerda e taxiando em alta velocidade para uma das posições remotas do pátio. Tempo total de vôo, 50 minutos cravados, e chegada dois minutos antes do horário publicado. A porta do LET logo se abriu, fomos recebidos novamente por Luiza Wapler e em um par de minutos o ônibus nos deixava no novo terminal do Salgado Filho.

Avaliação: notas vão de zero a dez

1-Reserva: Nota 10.
Reservar é muito fácil. O site da companhia funcionou muito bem.
(www.voenht.com.br)
2-Check-In: Nota 10.
Muita cordialidade, apesar de ser plena madrugada, e nada fila.
3-Embarque: Nota 10.
Na posição remota em POA, excelente oportunidade para fotos -e contemplar uma belíssima alvorada.
4-Assento: Nota 9.
De couro cinza, superconfortável, muito bom o espaço individual. Só não é melhor porque não reclina.
5-Entretenimento: Nota 4.
O entretenimento é inexistente, embora em Pelotas o jornal local tenha sido colocado em cada poltrona. For a isso, e as instruções de segurança, nenhuma publicação à bordo.
6-Serviço dos comissários: Sem nota.
Não há comissários (as) nesses vôos.
7-Refeições: Sem nota.
Não há refeições nesses vôos.
8-Bebidas: Sem nota.
Não há serviço de bebidas nesses vôos.
9-Desembarque: Nota 10.
Rápido e ágil, perfeito em todos os trechos.
10-Pontualidade: Nota 10.
Impecável. Nos três trechos, a NHT operou e chegou adiantada aos horários publicados.

Avaliação geral: Nota 9,00

Comentário final: A NHT passou com louvor por esse nosso primeiro Flight Report na empresa. Do ponto de vista operacional, foi perfeita: os três vôos partiram sem nenhum atraso e chegaram adiantados. Os vôos no LET foram prazerosos, serenos e seguros. O serviço em terra foi pra lá de simpático, isso sem contar o "plus" que foi aquela cuca de goiaba lá em Pelotas...

Em suma, deu gosto ver o trabalho que a NHT desenvolve na região meridional do Brasil,e em breve, em outros países da região. E isso já não era sem tempo. Afinal, foi pelas bandas de lá que, que a praticamente 80 anos, nascia a aviação comercial de caráter regular no Brasil, nas asas da Varig. Nessas sete décadas, os estados do Sul do país já tiveram dias de glória em termos de aviação, com malhas servindo várias cidades. Essa situação foi entrando num irreversível declínio, até que em 2002, praticamente todo o interior dos estados do sul do Brasil ficou sem ligações aéreas regulares regionais.

Em 2006, a NHT começou a reverter esse triste quadro de abandono, ao iniciar operações e promover a integração aérea da região. Voando com taxas de ocupação acima de 55%, nossa torcida é mesmo para que a companhia siga crescendo cada vez mais, prestando os ótimos serviços que tivemos oportunidade de conhecer. Voe alto, NHT, e leve não apenas a bandeira da aviação regional brasileira contigo. Continue a levar nas suas asas uma mensagem que precisa ser mais e mais difundida neste nosso maltratado país. O Brasil precisa mesmo é de pessoas e empresas com espírito empreendedor como o demonstrado pela NHT.

Gianfranco Beting

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