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Airbus A380 no Brasil




Esta é uma matéria especial: o Jetsite foi um dos primeiros a voar no A380-800, maior aeronave comercial em operação no mundo. Fomos gentilmente convidados pela Airbus não apenas para voar no gigante, como também para fazer a cobertura fotográfica da aeronave em terras brasileiras. Vamos embarcar?

O dia 10 de dezembro amanheceu nublado em São Paulo. As 06h13 o sol nasceu, mas uma camada de nuvens impedia que o astro rei brilhasse sobre São Paulo. Uma forte frente estava deixando a região e tomando o rumo norte. Os céus carregados não combinavam com a chegada do maior do mundo ao Brasil. São Pedro resolveu ajudar. Por volta das 10h00 as nuvens começaram a se dissipar. Eram 11h34 quando fez-se ouvir o ruído característico produzido pelos gigantescos Rolls Royce Trent que equipam o gigante. Olhei para cima e lá estava ele, cruzando a vertical de Guarulhos e iniciando a entrada na perna do vento. A emoção aumentou. Ao nosso redor, milhares de pessoas concentravam-se para ver a majestosa chegada da aeronave ao nosso país. Centenas de pessoas aguardavam nos gramados da BASP. Dezenas apinhavam-se no teto do hotel Matiz, excelente para fotos. Outras centenas enchiam o gramado ao lado da Rodovia Hélio Smidt.

O A380 entrou na perna base, seguindo um Fokker 100 da OceanAir. Baixou o trem, ao mesmo tempo que a emoção de todos subia. Nessas horas, é difícil controlar a ansiedade. No entanto, é fundamental preparar-se e buscar uma atitude zen, focada em simplesmente registrar a manobra, sem errar o enquadramento, o foco, etc. Finalmente, a torre autorizou o pouso. Lá veio ele: enorme, silencioso, parecendo pendurado no ar. Batimentos cardíacos lá em cima.

O gigante, matrícula F-WWJB, fez o flare, erguendo o nariz suaveemente. Depois de flutuar um pouquinho, experimentando um leve "ground effect", tocou em solo brasileiro - exatamente na nossa frente. Logo que livrou a pista, Elói, superintendente da Infraero, deu a ordem: "Vamos lá! Vamos atrás dele!" Subimos com os equipamentos e a perua da Infraero partiu em disparada. Conseguimos chegar na taxiway Bravo antes do A380 iniciar o back-track pela 09L. Então, o gigante desceu pela taxiway DD e, entrando na taxiway India, dirigiu-se ao portão India 01, onde estacionou. Uma multidão imediatamente cercou a aeronave. O aeroporto literalmente parou para ver seu visitante mais ilustre, a maior aeronave que já operou no Brasil, depois do LZ-129 Hindenburg, o famoso Zeppelin.

Tudo nele é gigantesco. Do preço unitário (300 milhões de dólares) às dimensões: são 72,75 m de comprimento (dois a mais que um 747); 79,8m de envergadura; 24,8m de altura - o equivalente a um edifício de oito andares. A aeronave apresenta nada menos que 22 rodas, 16 portas, pode levar 310 mil litros de combustível. São necessários 3.600 litros de tinta para cobrir sua área externa de 3.100 metros quadrados. Ele tem 100.000 cabos e linhas, que, se somadas, formariam uma linha de 530 km de extensão. Seu alcance típico, com aeronave lotada (555 pax em três classes) é de 8.300 milhas náuticas, ou 15.370 km. O suficiente para voar, lotado, sem escalas entre São Paulo-Sydney, São Paulo-Mumbai, ou da capital paulista a qualquer ponto da Europa, África ou Américas. Na verdade, com este alcance, a aeronave lotada só não conseguiria chegar sem escalas desde Guarulhos ao Japão e pontos no sudoeste asiático. O resto do mundo estaria na palma da mão do formidável A380.

Os motores são um capítulo à parte. O F-WWJB está equipado com quatro Rolls-Royce Trent 900, de 70.000 libras de empuxo, embora exista uma versão mais poderosa, com potência de 76 mil libras. Versões deste motor já foram testadas com sucesso ao limite máximo de 84.000 libras. A aeronave é oferecida opcionalmente com motores Engine Alliance GP7200, que pode alcançar até 76.500 libras. Este motor é produzido por um consórcio formado pelas antigas rivais General Electric e a Pratt & Whitney, que se aliaram em 1996 para desenvolver essa novíssima plataforma propulsora.

Outra grande novidade tecnológica não é tão fácil de perceber. São os materias básicos que formam a estrutura da aeronave. Nas asas, novos ligas metálicas dão maior leveza e resistência. A parte superior da fuselagem é toda feita com um novo material conhecido como glare. Trata-se de um material composto por finas lâminas de alumínio, intercaladas com fibra de vidro. O resultado final é 10% mais leve que o alumínio, o que reduz 800 quilos no peso final da aeronave - o equvalente a mais 8 passageiros transportados. Além disso, o glare é mais resistente à corrosão, ao fogo e à fadiga por excesso de uso. Segundo o fabricante, 40% da aeronave é feita de materiais compostos. A aeronave a ser voada é matriculada F-WWJB. Trata-se do sétimo A380 construído. Seu primeiro vôo foi em 19/02 de 2006 e, apesar de ser o MSN (Manufacturers Serial Number) 007, foi a terceira aeronave do tipo a voar. Ele, juntamente com mais quatro aeronaves (F-WWOW e F-WXXL, os dois primeiros protótipos, F-WWDD e F-WWEA, este último equipado com motores GP7200) formam o grupo de cinco protótipos envolvidos num dos mais longos, complexos e exaustivos programas de testes realizados na história da aviação.

A Airbus investiu nada menos que US$ 12 bilhões no projeto, que só encontrará o retorno ao investimento realizado (break-even) após a venda de 320 unidades. A lista de encomendas é a seguinte: Aerolineas Argentinas (2), Air Comet (2), Air France (10), British Airways (12), China Southern Airlines (5), Emirates (58), Etihad (4), ILFC (10), Kingfisher (5), Korean Air (5) Lufthansa, Malaysia Airlines (6), Qantas (20), Qatar Airways (2), Singapore (18), Thai Airways (6) e Virgin Atlantic (6). São 186 aeronaves encomendadas e mais 43 opções de compra.

Hora de voar
A coordenação do vôo e check-in ficaram a cargo da TAM e da Airbus. Convidados ilustres a bordo do vôo não faltaram. Os principais diretores e acionistas da TAM, seu Nenê Constantino da Gol, cel. Ozires Silva, Sérgio Gaudenzi da Infraero eram alguns dos nomes presentes. As 14h30 o embarque para o vôo VY 001 foi iniciado. Ocupei a última fileira disponível na aeronave: um pouco adiante da porta nº3, sobre a asa. A aeronave teve que concentrar os passageiros na região mediana da fuselagem, de maneira a facilitar o peso e balanceamento do gigante. Quando uma aeronave está muito vazia, como era o caso, é importante distribuir bem a carga de maneira a facilitar o trabalho de centralização do CG.

Embarque concluído, aguardamos mais que o previsto. Finalmente era hora de sair. Push-back as 16h30, motores girando: praticamente imperceptíveis. O nível de ruído a bordo é inacreditavelmente baixo. A impressão que se tem é a de se estar em uma sala com ar condicionado ligado. Impressionante. As 16h36 iniciamos o taxi para a 09L. Alinhamos e o comandante Edward Strongman avisou aos passageiros: "Tudo pronto para a decolagem, aproveitem a visão das três câmeras instaladas a bordo." Bastava ligar os monitores individuais no canal "INFO" e escolher uma das três câmeras: no alto da cauda, na bequilha ou na barriga da aeronave.

O cmte. Strongman, piloto-chefe de provas da divisão de aeronaves militares da Airbus, imprimiu 70% de potência aos quatro motores. Numa condição assim, com pouco peso, não é necessário utilizar 100% da potência. Operações assim, chamadas de "Potência Flex" são comuns. Isso reduz a fadiga nos motores, o ruído e o consumo, sem comprometer a segurança. Lá fomos nós: entre o brakes-off, as 16h46:26, e a VR (135 kt) passaram-se apenas 46 segundos. Nossa V1 foi de 121 kt e V2 de 139 kt. Note que numa aeronave de grande porte, com pista molhada (havia acabado de chover), a V1 é sempre bem menor que a VR. É necessária uma margem de pista maior para abortar a decolagem com a pista contaminada.

Por falar em pista, o A380 pode utilizar as mesmas pistas que um 747, com desempenho melhor do que o Boeing. Ou seja: precisa de menos pista tanto para decolar como para pousar. Suas 22 rodas, contra 18 do 747, distribuem melhor o peso, provocando menos stress no pavimento. Os pneus da aeronave têm por limite de velocidade 235 milhas por hora (378 km/h), embora a velocidade normal numa decolagem seja de aproximadamente 250 km/h. Neste vôo, o A380 pesava "apenas" 380 toneladas, ante um peso máximo de 588.700 kg. Ou seja, estava bem leve. Com o aeroporto inteiro a nos observar, era exatamente 17h47:10 quando rodamos. Impressionante foi constatar como as longas asas do gigante "trabalham" tão logo começam a produzir sustentação. Durante a decolagem, elas são flexionadas 4m para cima, o que ficou claramente visível.

O cmte. Strongman não exigiu muito da máquina, optando por manter uma razão suave de subida. Só depois de um minuto é que iniciou uma curva à direita. Nossa proa nos levaria à vertical de Curitiba, ponto mais ao sul desse vôo especial. Tão logo estabilizamos a 23.000 pés, os avisos de atar cintos foram desligados. Foi a deixa para fazer com que os 180 convidados a bordo começassem a circular para conhecer todo o interior da aeronave. São duas escadas, uma em espiral, na parte traseira, outra reta, convencional, com larguara suficiente para duas pessoas, logo atrás da cabine de comando.

Este A380, o número 7 na linha de produção, está totalmente equipado com assentos, na três classes. A capacidade é de 520 lugares. No deck inferior, ou principal, está a primeira classe, com quatro poltronas por fileira. No piso superior, na parte dianteira está a classe executiva, com seis poltronas por fileira. O restante da aeronave é ocupada pela classe econômica. No deck inferior, mais largo, são 10 assentos por fileira. No deck superior, são "apenas" oito por fileira. O deck superior tem 47.8 m de comprimento. O inferior tem 49.8 metros de comprimento.

A tripulação de cabine era formada por comissários da Lufthansa, da própria Airbus e da TAM, estes últimos encarregados apenas do serviço de bordo, pois não tem treinamento específico para a aeronave (ainda). Como o clima era de celebração, nos vários bares instalados na aeronave, a champagne Bollinger fluia solta, naturellement. Sucos e água completavam as libações. Canapés, mini-sanduíches (bem saborosos) e depois, patisserie completaram o serviço de bordo. Todo mundo de pé, andando pela aeronave, examinando detalhes, trocando impressões, apreciando como vai ser o futuro das viagens intercontinentais.

E o futuro vai ser muito, muito bacana: o nível de conforto do A380 é superior a qualquer outra aeronave em operação: a análise é meramente matemática. Com uma área de piso 49% maior que o 747-400 mas, em média configurado com 35% a mais de assentos, é fácil entender que nesta diferença, quem sai ganhando é o passageiro. Mais espaço individual: as poltronas na classe econômica têm uma polegada a mais de largura, maiores áreas coletivas. Além disso, o jato é super silencioso e o sistema de ar condicionado renova o ar total dentro da cabine mais rapidamente. Em vôos de 15, 16, 18 horas, isso faz muita diferença.

Chegou a hora de visitar a cabine de comando. O acesso é feito através do deck principal, subindo uma pequena escada de quatro degraus. Ao entrar na mesma, estávamos sobre Curitiba, que brilhava abaixo no sol da tarde. Falei rapidamente com a tripulação, que mostrou-se "encantada" com as características de pilotagem do jato. "Voa tão bem quanto os seus irmãos menores", definiu o cmte. Strongman. Quando fui solicitar os dados de vôo para escrever esta matéria, bastou observar uma das telas no console lateral da aeronave. Lá está o EFB, Electronic Flight Bag. O sistema substitui todos os papéis, documentos, check-lists, cartas de navegação que os pilotos tradicionalmente precisavam carregar numa mala de couro. Daí seu nome: EFB. O sistema possibilita ao A380 a qualificação de aeronave "paperless" ou seja, sem empregar textos, relatórios, cartas impressas. Tudo fica armazenado nos computadores de bordo. Assim, tudo o que eu queria saber estava claramente informado no EFB. Da elevação da pista ao peso de decolagem; da potência utilizada às cabeceiras; das velocidades da operação ao status do ar condicionado, tudo descrito de forma clara, concisa. O que signfica dados mais consistentes (maior segurança) e menos carga de trabalho aos pilotos (idem).

Depois dessa imersão no futuro da aviação comercial, a tripulação convidou os passageiros para que voltássemos aos nossos assentos. Poucos minutos depois, precisamente as 17h52, o enorme jato fazia seu segundo pouso em território brasileiro. Desembarcamos na posição India 00, reservada para um evento que incluiu ainda a demontração do primeiro A330-200 (PT-MVM) com a nova (e incrível) configuração interna da TAM. O toque adicional foi a presença de uma réplica de um Demoiselle, primeira aeronave fabricada em série em todo o mundo, estacionado entre a maior aeronave fabricada em série e o jato da TAM.

Por falar em TAM, ninguém precisa ser adivinho para saber que ela será a primeira empresa aérea brasileira a operar o A380. É apenas uma questão de tempo para que um anúncio formal seja feito, embora tanto a empresa aérea como a fabricante (Rafael Alonso, VP de vendas da Airbus para América Latina, negou categoricamente) adotem a compreensível postura de "nada a declarar." São três os principais motivos que nos deixam a certeza que, em alguns anos, veremos a inscrição "The Magic Red Carpet" no nariz de um gigante destes: os slots nos aeroportos valem ouro, e são cada vez mais difíceis de conquistar; a aviação crescendo no ritmo que está; e com a Copa do Mundo em 2014 no Brasil, você pode ter certeza. Um dia, você vai voar no "Flagship" do Século XXI na companhia aérea que tem orgulho de ser brasileira.

G. Beting

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