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Outra tática, mesma estratégia


No dia 29, uma notícia causou surpresa na aviação. A Gol, controladora da VRG Linhas Aéreas S.A., anunciou uma profunda alteração no seu plano estratégico. A nota explicava, textualmente:

"A GOL Linhas Aéreas Inteligentes S.A., controladora das companhias aéreas brasileiras GOL Transportes Aéreos S.A. e VRG Linhas Aéreas S.A., anuncia alterações no seu plano estratégico. A medida, que prevê a otimização da malha, tem por objetivo o aumento da eficiência e o aprimoramento da qualidade dos serviços. A partir de março, a Empresa vai concentrar seu serviço de longo curso do Brasil para Europa em dois destinos, oferecendo conexões para outras cidades via companhias aéreas parceiras. A VRG operará vôos diretos com aeronaves Boeing 767-300ER para Aeroporto de Charles de Gaulle, Paris, onde tem acordo de interline com o grupo Air France-KLM, e para Aeroporto de Barajas Madri, onde possui acordo de code-share com a Air Europa e de interline com a Iberia. A nova estratégia de negócios prevê a suspensão dos vôos diretos para Londres, a partir de 01/março; Frankfurt e Roma, a partir de 29/março."

Lembrei de uma máxima do meu pai: "Pior do que mudar de idéia, é não ter idéia para mudar." É o caso da VRG que, para efeitos de uso público (e junto às autoridades aeronáuticas no Brasil e no exterior), opera sob a marca Varig.

Vamos deixar claro o seguinte: a Varig, aquela Varig, não existe mais. Kaput. Acabou naquele triste leilão no hangar do aeroporto Santos Dumont, em julho de 2006. A Varig de Berta, Erik de Carvalho, do caviar e do jumbo, do Dornier Wal e do Electra, da loja dos Champs Elysées aos churrascos no espeto a bordo? Essa não existe mais. Em seu lugar, existe uma operação mais enxuta, racional, focada no lucro. Saiu o glamour, entraram as implacáveis leis de mercado. Vão-se os anos dourados de finesse e classe, entram pessoas de chinelo e bermuda rumo a Paris.

Tenho uma tese que repito à exaustão. Lá vai ela de novo: companhia aérea quando pára, não volta. A Varig parou em julho de 2006 e por lá ficou. Foi vendida para a Volo do Brasil, que a repassou por US$ 285 milhões para o Grupo Gol em março de 2007. Mudaram as cores, a frota, as rotas, o padrão de serviços. Só não mudou o nome. Pode-se mesmo achar que a companhia ainda é a velha e boa Varig?

Claro que não. E digo mais: é melhor assim. Sabe porque? Porque o mundo atual não merece uma companhia como um dia a Varig foi. É isso mesmo. A classe, dignidade, seriedade, competência técnica, rigor operacional, elegância no trato, urbanidade de funcionários, cosmopolitanismo de comissários dantanho, isso tudo combina com o passageiro de hoje em dia? Combina?

Desligue o computador e vá para o aeroporto mais próximo de você. Para não achar que estou de marcação, ou que parei no tempo, encoste num balcão de primeira classe, check-in de qualquer vôo internacional, e observe a estampa dos passageiros. Aqui no Brasil ou em Paris, Cingapura, Tóquio, Los Angeles. Você vai ver que voar, bem, voar virou outra coisa. Viajar deixou de ser uma arte. Não foram as empresas que perderam o glamour. Foram as pessoas. Observe as roupas, as atitudes, repare nas conversas. Voce vai ver um bando de gente isolando-se atrás de palmtops, ipods, blackberries, laptops, noise-cancelling-earphones e outros gadgets que não têm tradução para a língua de Camões.

Yeah baby, viajar virou um sistema de transporte encarregado de despachar, aos quatro cantos do mundo, a tribo dos Tecno-Zumbis. Gente que se isola do assento ao lado, ignora o comissário, esnoba o atendente de balcão. Todos muito "ocupados". Pessoas "muito importantes". Gente que trabalha durante o vôo, voa durante a reunião, fala ao celular enquanto come. Gente que não interage, que não saboreia, que não tem educação para desfrutar cada momento da vida. Gente que não compreende, não valoriza, não conhece ou se esqueceu da classe, da elegância, do quão especial eram as viagens aéreas de longo curso. Gente que simplesmente não saberia dar valor ao nível de serviço que um dia a Varig prestou.

Mudou tudo, pessoal. Hoje o passageiro quer comodidade, capacidade de escolha e privacidade. Vêm muito atrás, na escala de prioridades, o vinho servido, a receita do prato, a decoração da sobremesa. Dê aos distintos uma poltrona que reclina, com 187 pontos de conexão para os gadgets em epígrafe, e... voilá: Ah, isso é que é um bom serviço! Até porque, para saborear um vinho, desfrutar um prato, é preciso educação. Para ligar um palmtop, basta ter informação.

Para gente assim é que trabalham as companhias aéreas de hoje em dia. Com pragmatismo e busca incessante de resultados. Não estão dando dinheiro as rotas da Europa? Corta elas, cara-pálida. E corta já. Não dá para ficar lamentando, pensando "Puxa, a Varig sai de Frankfurt, único destino na Europa que serviu, sem interrupções, desde fevereiro de 1965." A VRG é quem abandonou essas rotas, em busca de serviços mais rentáveis. A Varig, repito, parou em 2006.

Quer saber? É assim que tem que ser. Se as rotas da Europa não dão retorno, bota os aviões para voar para Miami, New York, ou para outro destino onde os passageiros queiram ir - e paguem por isso. Pode apostar que a VRG voará para os Estados Unidos antes do previsto, provavelmente no primeiro semestre de 2008.

Então, permita-me reescrever o enunciado de seu comunicado, dona Gol. O que mudou foi a tática: ao invés de voar perdendo dinheiro para a Europa, voemos ganhando dinheiro onde for possível. A estratégia continua igual: rentabilizar ao máximo cada parafuso, cada Boeing, cada hora/homem dos colaboradores da empresa.

Foi seguindo essa "estratégia" que a Gol prosperou. Foi ignorando essa "estratégia" que a Varig desapareceu.

G. Beting
04/02/2008

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