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Como uma onda no ar


A compra da TAM pela LAN, anunciada em uma sexta-feira 13, pegou muita gente de surpresa. O Brasil, que acreditava ter na TAM sua empresa de bandeira, acordou para outra realidade. A TAM agora era controlada por uma empresa chilena. A notícia bateu em nossa praia, como uma onda (de choque) no ar. Em minutos, fez com que os caciques do setor - e boa parte da opinião pública - acordassem para um fato tão inegável quanto indisfarçável foi esta venda: no tabuleiro da aviação latinoamericana, para citar novamente a canção, "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia."

Essa "Combinação", como definida pelo presidente do Conselho da TAM, Marco Antônio Bologna, é positiva para o Brasil? Ou seria algo fundamentalmente ruim? Perdemos nossa "soberania" como nação até então líder na aviação comercial no continente?

Nem sim, nem não, muito pelo contrário: simplesmente aconteceu o inevitável.

No mundo todo, empresas aéreas estão se fundindo, se vendendo, se amalgamando, ou se "combinando". Uma década de estragos hediondos nos balanços das empresas cobrou este preço. Em 10 anos, a indústria sangrou nada menos que US$ 60 bilhões. Impunemente, ninguém iria passar. Nestes dez anos, perdemos a Transbrasil, Vasp, Swissair, Ansett, TWA, NWA, LAB, Sabena, Canadian e há pouco mais de um mês, a Mexicana. Todas estas companhias, apenas para citar as mais expressivas, passaram por processos traumáticos, com consequências fatais. Talvez um pouco menos doloroso, contata-se que outras empresas, como estas citadas igualmente com mais de meio século de tradição, foram amalgamadas ou sobrevivem como marcas no portfólio de suas controladoras: Varig, Swiss, KLM, Austrian, Alitalia. Embora conservem nomes e identidades, são empresas totalmente diferentes do que um dia foram antes de passarem às mãos de seus novos donos.

Quem haveria de acreditar que no Brasil essa onda não haveria de bater?

Talvez somente aqueles que não soubessem que este era, na verdade, um desejo antigo dos Amaro, a começar pelo próprio, saudoso e inesquecível Comandante Rolim Adolfo Amaro. Tive o privilégio de conviver de perto com o Comandante Rolim. Nos anos 80 e 90, prestei serviços para a TAM, criando campanhas publicitárias para suas (então) empresas regionais, a TAM e a Brasil Central, bem como para a divisão TAM Jatos Executivos. Nas várias oportunidades em que estive pessoalmente com ele, aproveitei para "beber" de seus ensinamentos, transmitidos sempre de forma personalista, informal e encantadora, como só ele sabia fazer. Certa vez, ainda nos anos 90, ele me disse: "Vou fazer a TAM ficar maior que a Varig. E se der, vou me juntar 'com' ela."Rolim enxergava, como só visionários de seu quilate conseguem, que ganhar escala era a chave do negócio.

Sempre disse e repito aqui, com a autoridade de quem não apenas testemunhou, mas vivenciou aquela época: Rolim era mais preocupado com o Passageiro do que com o Brigadeiro. Enquanto os presidentes da Varig, Transbrasil e Vasp gastavam seu tempo em Brasília, movendo-se subrepticiamente no ar-condicionado dos gabinetes dos Brigadeiros da FAB, Rolim distribuia balinhas e carregava as malas dos passageiros embarcando em seus Fokkers lá em Congonhas, todo santo dia, a partir das 6 horas da manhã. Sua dedicação e visão fizeram toda a diferença, como hoje se vê.

Presenciei como Rolim tentou, sem êxito, fazer de sua companhia a primeira gigante da região. Quiz comprar a Transbrasil. Nada. Com a Vasp de Canhedo, ele nem tentou. Namorou longos anos a Varig, mas nada conseguiu, pois os executivos da Varig simplesmente o esnobaram. Menosprezaram sua capacidade empreendedora, suas relações com o poder concedente e, sobretudo, o foco que ele emprestava ao atendimento ao cliente. Esta passagem é emblemática: outubro de 1991, reunião da V CONAC, no Rio de Janeiro. Uma alta patente da Varig, me disse à época, desfilando a empáfia que caracterizava os executivos da Pioneira até o fim de seus dias:"O Rolim? Esse aí tem que se preocupar em voar para Araçatuba e Londrina. Estamos em outra liga: nosso negócio é Amsterdam e Londres!"

Talvez em função exatamente destas seguidas negativas é que Rolim tenha se dedicado de maneira franciscana a fazer sua TAM crescer. Esnobado no Brasil, foi buscar para fora de suas fronteiras os vetores de seu crescimento. Primeiro, abocanhou e dominou a aviação de nosso vizinho Paraguai. Em seguida, uniu-se a empresários de visão, de capacidade intelectual (e humildade) para enxergar além do horizonte. Rolim aproximou-se dos irmãos Cueto, donos da LAN, e de Federico Bloch, líder da TACA. Juntas, as três empresas aéreas viriam a fazer o primeiro grande negócio transnacional na aviação da América Latina, ao encomendarem conjuntamente 100 jatos da família A320 junto à Airbus, conseguindo descontos significativos. Isso foi ao final dos anos 90. Poucos anos depois, o destino escreveria um enredo trágico para dois destes líderes. Rolim morreu pilotando seu helicóptero em 8 de julho de 2001. Bloch foi assassinado em seu carro, em 26 de abril de 2004, aos 50 anos de idade.

Donde, a visão de uma "Grande TAM" foi simplesmente perseguida por seus filhos e viúva. Incapazes de fazer sua TAM crescer mais no Brasil - uma "combinação" com a Gol seria impensável, até sob a ótica do CADE - os Amaro trataram de buscar nos velhos parceiros de Rolim a saída. Deu no que deu.

Mais enxuta, mais agressiva e bem sucedida ao dominar os mercados em que competia que a própria TAM, a LAN não hesitou em fechar o maior acordo da história da aviação latino-americana. Hoje, a empresa chilena controla companhias aéreas no Brasil (TAM e ABSA), Argentina (LAN Argentina), Equador (LAN Ecuador), Perú (LAN Perú), República Dominicana (LAN Dominicana), MAS Air (México) e Florida West (USA), além de ser, claro, a empresa dominante em seu país natal.

Ainda que doa constatar que hoje está em mãos chilenas a empresa aérea que, até bem pouco tempo atrás, tinha por slogan "Orgulho de ser Brasileira", existem verdades que suplantam quaisquer devaneios de soberania nacional, preferências pessoais ou os mais arraigados sentimentos xenófobos: ninguém sobreviverá neste setor se não obtiver um tamanho suficiente para prosperar em um ambiente ferozmente competitivo.

Não se advoca aqui que maior é melhor. Simplesmente os ganhos de escala necessários para se sobreviver neste implacável setor abateram sem piedade o conceito de "soberania nacional". Esta é uma ideia que não mais se aplica à economia globalizada - em larga escala, justamente pela aviação comercial. É preciso ser realista: ainda que as cores da TAM sejam as mesmas da bandeira nacional chilena (Santa Coincidência, Batman!), a LAN não adquiriu a TAM para com ela perder dinheiro. Para continuar a crescer, a LATAM sabe que não se pode jamais perder o foco no negócio. Cabe lembrar que, para qualquer companhia aérea, brasileira, chilena ou uzbeque, sempre será fundamental aprofundar e preservar sua própria cultura; promover respeito e clareza nas relações trabalhistas; aprimorar a qualidade nos serviços aos clientes. Isso tanto a LAN como a TAM podem, sabem e devem fazer. Uma vez conquistado o tamanho desejado, é fundamental usar esta poderosa alavanca como ferramenta de barganha junto a fornecedores, parceiros, associados, agentes financeiros. Donde, pode-se esperar uma TAM ainda mais profissional, agressiva, com mais capacidade para crescer e aprimorar seus serviços e produtos.

E jamais olvidar que, para distintos públicos, pouco importa em qual bolso irá parar o dinheiro da passagem: para o público viajante, mais vale a excelência no serviço prestado face a uma ótima relação de custo-benefício; para o funcionário, conta mais pertencer a uma empresa pujante, bem administrada, que cresce de forma estruturada e segura e que o respeita como colaborador; para o Poder Concedente, conta mais uma arrecadação crescente de impostos.

Foi assim que aconteceu aqui mesmo no Brasil com setores considerados igualmente estratégicos para a tal da "soberania nacional". Veja o caso das telecomunicações, hoje em mãos de grupos estrangeiros. Você aí, morre de saudade da Embratel? Nem eu.

Pergunte para um passageiro holandês se ele realmente está mortificado ao se dar conta que a KLM faz parte do Grupo Air France. Questione um suíço para descobrir se ele se sente diminuído ao lembrar que a Swiss é uma divisão da Lufthansa. Você vai descobrir que, para aqueles que têm um boarding pass na mão e uma viagem na cabeça, pouco importa saber se o comprovante de passagem é escrito em tinta verde-e-amarela ou azul-e-vermelha.

Gianfranco Beting

26/09/2010

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