HUB roubado

Muita gente me pergunta: "Que raio de coisa é esse tal de aeroporto 'hub?' Congonhas ainda é hub? Deixou de ser?" Vale a explicação. Afinal - e sem exagero - aeroportos-hubs são tão importantes para a aviação quanto a asa para o avião.

O primeiro hub nasceu nos Estados Unidos, mais precisamente em Atlanta, Geórgia. A companhia aérea local, a Delta Air Lines, foi fundada em sua maioria por pessoal egresso da indústria ferroviária. Lá, nas velhas Marias-Fumaças, a importância da conectividade (ou baldeação, no jargão das estações de ferro) havia ficado suficientemente aparente. O mesmo conceito foi então absorvido e empregado, com sucesso pela Delta. A coisa é tão séria que existe até uma piadinha a respeito no sudeste dos Estados Unidos: "Gente daqui, quando morre, antes de ir para o Céu tem de passar por Atlanta e trocar de avião."

Nascia assim uma maneira, um novo modo de programar rotas e utilização de aeronaves. A esse sistema, dá-se o nome de "hub-and-spoke". O aeroporto onde ocorrem as conexões é o "hub". Spokes são os destinos nas pontas da malha aérea. Para facilitar a compreensão, imagine uma roda de bicicleta. O hub é o cubo da roda, no centro. Os spokes são os raios que os ligam ao aro. Cada cabo unindo o centro ao aro é uma rota aérea.

Hubs são tão importantes assim? E como. Eles possibilitam às companhias aéreas maximizar a utilização de suas caríssimas aeronaves, aumentando o número de freqüências e de cidades servidas. Um hub é tão melhor quanto mais destinos servir. Hoje, toda companhia aérea lucrativa opera pelo menos um Hub digno do nome.

Eles funcionam melhor quando concentram os horários dos vôos. Esses vôos precisam chegar e sair praticamente ao mesmo tempo, aumentando a conectividade entre os serviços. Exemplo: um vôo da empresa XYZ opera entre Caxias e Congonhas, chegando as 09h00 da manhã à São paulo. As 10h00 da manhã, decolam vôos da XYZ de Congonhas para Natal, Brasília, Manaus, Vitória. Com o hub funcionando (leia-se: com conexões), fica fácil vender para quem vem de Caxias a continuação da viagem. Assim, os sistemas de computador que controlam e alimentam as reservas, passam a oferecer serviços diretos Caxias-Salvador ou Caxias-Manaus com apenas uma troca de aeronave em Congonhas. Essa possibilidade, multiplicada por vários destinos, deixa em pé o pau da barraca das empresas aéreas no mundo todo.

Em contrapartida, se o tempo em solo é muito longo, conexões como estas "somem" dos olhos dos agentes de viagem, dos passageiros, dos planos de viagem de qualquer cristão. E é exatamente isso que nossos ineptos diretores da ANAC fizeram com Congonhas: por pressão política, desmontaram a conectividade. Inverteram uma prática, uma ordem natural, uma característica que levou décadas para ser aperfeiçoada pelo setor. Roubaram um hub. Teriam feito isso por crassa incompetência, absoluta falta de conhecimento ou uma mal-dissimulada má-fé? Minha aposta: um pouquinho de cada.

No Brasil, Gol e TAM têm por hub principal Guarulhos. Congonhas vem sendo gradativamente, equivocadamente, estupidamente esvaziado. Um aeroporto sem conexão é como um beijo sem paixão.

Todo mundo sabe que as empresas aéreas brasileiras nunca ganharam tanto dinheiro como nos últimos anos. Qual a razão? Em boa parte, justamente o estabelecimento e operação eficiente desses dois hubs. É justamente a existência e operação de hubs que permitiu, nos últimos anos, a explosão da demanda, o barateamento das passagens, o incremento do turismo interno, a diminuição dos preços das tarifas devido ao aumento da oferta. Você hoje voa mais, cara-pálida, porque os hubs funcionam. É isso que as antas da ANAC estão tirando de você.

Finalmente, vai um recado para essa tropa que manda no setor: dividir um hub em dois ou três, como vem sendo tentado nos últimos meses, resulta em. Adivinhou: zero hub. Hub é unidade indivisível. É célula-máter do negócio da aviação. Dividir um hub é como dividir um ovo, esperando o nascimento de duas galinhas. Que por sinal, é ave que não voa. Muito parecida com nossa aviação nos dias de hoje.

G. Beting | 17/01/2008