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Céu laranja


Em 1990, durante um jantar no Hotel Mofarrej, em S. Paulo, promovido para empresas aéreas, afirmei na mesa compartilhada por executivos da Vasp e Transbrasil: "No ano 2000, a TAM será a maior empresa aérea doméstica." Um de meus colegas de Transbrasil, surpreso com a afirmação, me puxou de lado e disse, reservadamente: Ô Gianfranco, isso não é coisa que se diga, assim, em público".

Respondi: "Meu caro coronel, não estou fazendo aqui um julgamento; estou apenas constatando algo lógico, uma conseqüência de tudo que tenho visto ultimamente. Acho mesmo que daqui a 10 anos a TAM vai ser maior do que nós (Transbrasil), que a Varig e a Vasp."

Deveria ter registrado em cartório essa afirmação. Afinal, o tempo mostraria que errei meu vaticínio por apenas três meses: a TAM passou a Varig na participação no mercado doméstico em março de 2001. Mas se não registrei essa afirmação, agora deixo registrado aqui o seguinte, abertamente, para quem quiser ler: em 2010, a Gol será a maior empresa aérea do Brasil, no mercado doméstico.

Pode parecer algo ousado, até porque a TAM é uma concorrente muito mais preparada para defender sua participação do que a Varig, Vasp e Transbrasil eram. Mas ouça o que afirmo: em 2010, é Gol na frente da TAM.

Não, não estou torcendo por ninguém. A Gol, infelizmente, não me pagou nada para escrever isto. Nem mesmo uma barrinha de cereal. Afirmo isso com base na leitura de balanços e números operacionais. De posse das mais recentes pesquisas de imagem e de opinião do público. Conversando com agentes de viagem e com os órgãos reguladores. Estou atento, por dever e interesse profissional, à todas as jogadas do xadrez dessa competição que será a próxima grande batalha aérea na aviação comercial brasileira: vermelho contra laranja.

São dois os motivos que me levam a ter essa certeza. O primeiro é o seguinte. Ao contrário do que dizem os engenheiros, o que faz o avião voar não é a asa, é o dinheiro. Tutú. Bufunfa. L`argent. Aviões e empresas aéreas de sucesso sabem disso. Sem maximimizar resultados, espremer draconianamente custos, bem-tratar o capital, este negócio da aviação não decola. E não estou falando de um controlezinho rígido não. Este negócio precisa de atenção obsessiva no corte de custos, na ampliação de margens, na busca desenfreada de uma palavrinha que tem cinco letrinhas como a palavra avião: lucro.

Varig, Vasp e Transbrasil não entendiam isso. Morreram sem saber sequer que estavam doentes. A primeira, cega pela soberba de se achar imortal, era um pterodáctilo ineficiente. A segunda, relapsa por décadas de administração estatal e, depois, por sua venda à um neófito rústico e despreparado. A terceira, porque para Omar Fontana lucro era sinônimo de ganância - seu maior erro empresarial. Omar Fontana tinha vergonha quando sua empresa ganhava dinheiro: "Não é para isso que estou aqui" enganava-se, redondamente, o saudoso comandante.

Desculpe por esta breve regressão. O lugar deste editorial é outro: é o futuro, é falar de nossa aviação em 2010 e mostrar porque a Gol vai chegar lá. Numa única frase: porque a Gol sabe ganhar dinheiro como nenhuma outra empresa aérea no Brasil.

Isso se deve a vários fatores, e um deles é uma grande dose de sorte: a Gol começou a voar em janeiro de 2001, usando de um modelo de gestão moderno, leve, automatizado, ágil. Em comparação com o modelo da TAM, que é o do paradigma antigo, do tapete vermelho, essa é uma tremenda vantagem. Mas a sorte está no DNA dos vencedores. E a Gol herdou, de bandeja, sem gastar uma barrinha de cereal por isso, excelentes pilotos que saíam às levas da Transbrasil, Vasp e agora, Varig. Como havia gente de sobra no mercado, pode contratá-los a preços irrisórios: um comandante da Gol ganha hoje menos da metade do que a média mundial do setor. Antes que me ataquem: isso é um fato, não uma lôa à empresa. Pessoalmente, acho que a Gol paga mal, mas essa é a lei da oferta e da procura. Que pode não ser perfeita, mas é a menos ruim.

Outra vantagem da Gol: ela ganha dinheiro como ninguém porque sabe maximizar os resultados através da corretíssima aplicação de políticas depricing. Ela sabe até que ponto vai o bolso da clientela. Sabe, através de seus programas de yield management, fazer cada centavo valer. Não é a tôa que a Gol é hoje a empresa aérea com maior margem operacional. do mundo! Vale dizer: a Gol é a que mais ganha dinheiro para transportar um passageiro por um km voado no planeta. É mole?

Mas se de um lado ela sabe ganhar dinheiro, o outro grande motivo é algo que ela tem em comum com a TAM, as duas únicas no mercado que souberam fazer isso direito: marketing. Engana-se quem dá pouca importância ao marketing na aviação. Afinal, aviação é uma grandecommodity: a velocidade é a mesma, Mach 0.80; as pistas e pátios são os mesmos; todas voam a 37.000 pés. O que desequilibra o jogo é o marketing. E nisso a Gol mostra que está na frente.

Um ponto reforça essa opinião, que não é apenas minha: a Gol tem hoje a melhor imagem dentre as companhias aéreas brasileiras "vivas." Todas as pesquisas de opinião indicam a laranjinha como a mais bem posicionada, com os melhores atributos associados à sua imagem. A Gol é considerada como a mais moderna, jovem, audaz, inovadora, simpática e informal das empresas aéreas. Ela tem outra vantagem: ela não é identificada com nenhuma região do Brasil, enquanto a TAM passa uma imagem de "empresa aérea paulista," "yuppie" ou, para alguns, "caipira". Aí uma clara associação à imagem do Cmte. Rolim, que deixou muitos fãs da TAM órfãos, mesmo. Não é a toa que a empresa agora busca "Re-Rolinizar" sua imagem.

Sob esse importante aspecto da regionalização da imagem, a Gol é vista como "brasileira" ou seja, não tem rejeições regionais. Além disso, o ônus de carregar a imagem de empresa aérea "assassina da Varig" ficou mesmo nas costas da TAM. Mas o golpe de mestre da Gol está mesmo no fato de que a laranjinha está espetacularmente posicionada na cabeça das pessoas como a verdadeira "low-cost/low-fare" no mercado, apesar de não sempre a opção mais barata para se voar. Seja como for, essa posição está arraigada na cabeça do público: "Quer voar baratinho, em avião moderno, voe Gol." Esse posicionamento vale milhões de reais em vendas, que se repetem todos os dias.

A Gol é a primeira opção para quem tem no preço o fator decisivo na escolha da companhia aérea. Importante é notar que cada vez mais, aumenta o número de pessoas e de empresas que escolhem empresas aéreas pelo preço. A era do tapete vermelho, da qualidade de serviço, em vôos de curta duração, infelizmente já passou.

Outro exemplo do bom trabalho do marketing da Gol foi convencer a opinião pública que voar economicamente é mais "inteligente" que voar sofisticadamente. Por falar em convencimento, vai aí outro destaque: a comunicação da Gol é a melhor dentre todas as empresas aéreas no Brasil nos últimos anos. As campanhas da Gol são as mais consistentes, elegantes e bem posicionadas no setor. A premiação da última campanha institucional da Gol no festival publicitário de Cannes de 2006 só reforça essa opinião, sobretudo depois do fiasco que foi aquela obtusa campanha das capas vermelhas da TAM (Você nasceu para voar), jocosamente apelidada de "Chapolim Voador."

Tudo isso fez com que a Gol experimentasse um nível de crescimento inédito na aviação nacional. Para se ter uma idéia, enquanto a TAM levou exatos 25 anos para chegar a 30% de participação de mercado, a Gol conseguiu essa proeza em menos de 5 anos. Enquanto a TAM levou 22 anos para voar internacionalmente, a Gol cruzou nossas fronteiras em apenas 4 anos. Os exemplos são muitos e eloquentes, o resultado é um só: transportando cada vez mais passageiros com melhores margens de lucro, a cada dia, a cada hora, a cada vôo que faz, a Gol avança cada vez mais sobre a líder TAM.

Com 101 Boeings 737-800 encomendados (os primeiros começam a chegar nas próximas semanas), com custos por passageiro/km oferecido e transportado significativamente inferiores aos da concorrência, eu escrevo e assino aí embaixo: em 2010, a Gol conquista a liderança do mercado aéreo doméstico brasileiro.

Gianfranco Beting

26/06/2006

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