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Beleza é fundamental


Toda vez que alguém me pergunta: "porque eu gosto tanto de aviões" a resposta custa a sair. Penso, penso e respondo sem saber ao certo: "Sei lá! De quando me conheço por gente, amo os aviões."

Frequentemente me perguntava qual seria a origem dessa paixão. A resposta mais convincente me apareceu hoje cedo: amo aviões porque eles são, antes de mais nada, belíssimos.

Não resta dúvida: aviões são as máquinas mais belas já construídas. Muito mais do que carros. Coitadinhos, seres inferirores, subjugados pela lei da gravidade, condenados à uma existência em plano terreno. Aviões não: usam de suas linhas para alçar vôo, distanciando-se dos carros e dos seus criadores que se quedam, mudos, invejosos, à admirá-los desde a platitude da terra firme.

Aeronaves são de uma beleza arrasadora. Entre outras coisas, porque nos diminuem à nossa insignificância de seres terrenos, limitados, rastejantes. Aeronaves são plenas. De um fascínio que beira o sensual. Femininas, até. É sobre isso que esse editorial vai falar: sobre a beleza das aeronaves.

Marcel Dassaul afirmava, com conhecimento e autoridade inegáveis: "Para um avião voar bem, ele tem que ser bonito." Suas crias mais famosas, o Mirage e o Mystère (mais conhecido como Falcon) são dois bons exemplos. Por falar nisso, nada melhor do que a França para começar a falar de aeronaves bonitas. Não dá para pensar em outra a não ser a mais bela máquina produzida até o hoje, o imortal Concorde. Belo, imponente, maravilhoso e fotogênico sob qualquer ângulo. Suas linhas puras, simplíssimas, arrebatadoras, deixam um vazio, uma saudade imensa. Ele é veloz até parado. No solo, elegante até dizer chega, sobre seus longos trens de pouso. No ar, seu elemento, uma visão absoluta.

Outra maravilha que veio da França, um dos mais belos aviões jamais construídos, foi o inesquecível Caravelle, uma aeronave linda de doer. No ar, era perfeita: suas asas limpas, enflechadas na medida certa. No solo, com seu charmoso trem de pouso principal de quatro rodas, muito mais elegante que os "bogeys" de apenas dois pneumáticos. O Concorde e o Caravelle tinham outras duas características que, embora nada tivessem a ver com beleza, ajudavam na construção de sua mística: a fumaça que produziam e o ruído ensurdecedor de seus motores. Seriam como duas damas de perfume carregado, que deixavam no ar o rastro inequívoco de suas presenças. Não é à tôa que em inglês, aeronaves são sempre tratadas no gênero feminino.

Mas a beleza está nos olhos de quem vê. É absolutamente subjetiva. O que pode ser belo para um, nada desperta para outro. Com aeronaves não é diferente. Sempre tive meus tipos preferidos, e minha lista sempre foi diferente de todos os apaixonados sobre o tema com quem conversei. Ok, nunca encontrei ninguém que me dissesse que a aeronave mais bela do mundo fosse um Antonov An-2. Ou um Shorts 360. Mas há tipos que sempre figuram nas listas dos mais belos. Dois deles, o Concorde e o Caravelle, já foram citados. E os outros? É bom então elencar minha lista, que por sinal, não é muito diferente do que a maioria pensa.

Comecemos pela aviação civil e entre ela, os clássicos. O DC-3 é uma aeronave linda até hoje. Pense no ano de sua criação (1935) e repare como era então, muito mais limpa, aerodinâmica e, enfim, muito muito mais linda do que tudo que voava até então (Ju-52, Boeing 247, etc.) Você verá que, de fato, a beleza faz muita diferença. Depois dele, veio o Constellation, que, para mim, é até hoje o mais belo quadrimotor a pistão. Soberbo mesmo, no céu e na terra, onde repousa sobre longuíssimos trens de pouso, que o mantêm metros acima de todos os demais tipos de sua geração. Dentre todos os modelos dos Connies, para mim o mais belo é o L-1049 Super G, equipado com tip tanks. E nenhum foi tão bonito quanto o Super G nas cores de seu principal operador, a TWA. Que aeronave magnífica.

Depois vieram os turboélices e, entre eles está minha paixão, o Lockheed Electra. Que avião lindo. Elegante não é, mas é lindo. Seu nariz é uma poesia, assim como sua cauda, arredondada, quase barroca. Suas asas curtas e suas pás de hélices enormes inspiram uma sensação de potência e segurança. Outra linda aeronave dessa geração é o nipônico YS-11, mais conhecido no Brasil como Samurai. Era lindo e elegante, sobretudo em vôo, com suas longas asas. Deixa muita saudade.

Depois veio a geração do jato e aí, bem, é um verdadeiro festival dem belezas. Começo pelas linhas absolutamente magníficas do britânico Vickers VC-10. De uma beleza arrebatadora, tornada ainda mais especial pela raridade do tipo, mesmo nos seus áureos tempos. Hoje, quando tenho a rara chance de vê-lo, nas cores da RAF, Royal Air Force, fico arrepiado (mesmo). Nessa primeira geração, na verdade, não houve um único quadrijato feio. O Douglas DC-8, por exemplo, é belíssimo. O Boeing 707, especialmente na versão alongada, 320 Intercontinental, é simplesmente sublime. Ver um DC-8 ou 707 em aproximação me deixa dias (repito, dias) em estado de graça. Principalmente o 707, o mais elegante Boeing jamais construído.

Outra beleza veio na segunda geração do jato: o Boeing 727. Que aeronave fotogênica. Não há ângulo ruim (agora falo como fotógrafo) para o trijato de Seattle. Seja na versão -100 ou na -200, de fuselagem alongada, um 727 nunca é feio. Não acho o DC-9 especialmente inspirado, mas o modelo seguinte da McDonnell Douglas mais do que compensa: o DC-10 é uma das aeronaves mais fotogênicas que já voou, assim como seu sucessor, o MD-11. Tanto quanto o belíssimo competidor direto do DC-10, o Lockheed L-1011 Tristar. Aliás, quase todo trijato é bonito, com exceção dos Yak 40 e 42, naturalmente.

O Boeing 747 não chega a ser belo, mas tem tanto carisma, que acaba ficando irresistível. Seu tamanho, seu nariz agressivo, o enflechamento marcante de suas asas e, na versão 400, os charmosíssimos winglets, acabam por fazer dele um tipo que está entre os mais sensacionais da aviação. Depois dele, acho que a Boeing acertou em cheio com o 757. Esse está longe deser unanimidade. Ao contrário, muita gente acha o esguio birreator um dos Boeings mais feios já construídos. Discordo. Acho o 757 o herdeiro da elegância natural do 707. Ele é lindo em solo (altivo sobre a rampa) e no céus, como o Concorde, Caravelle e Constellation. Coincidência ou muitos aviões bonitos começam com a letra "C"?

Os 737, 767 e 777 acho bonitos, mas nunca me chamaram demais a atenção. O 777-300 é definitivamente muito longo, e, portanto, uma aeronave difícil de fotografar. Aeronaves curtas ou encurtadas, como o 747-SP, sempre são mais fotogênicas.

Falei muito dos Boeings. E a Airbus? Gosto apenas dos mais novos, os A330 e A340, especialmente o A340-500, para mim o mais belo de todos. Não vejo muita graça na família A320 nem nos A300 e A310, especiamente os dois últimosm, que considero desengonçados. Mas um A340, especialmente nas cores da Air Tahiti Nui, é uma visão do paraíso, assim como as ilhas que sediam a companhia.

Outra fabricante, a McDonnell Douglas, sempre fez aviões bonitos. Seus últimos modelos, o MD-90 e MD-95 (depois, rebatizado de Boeing 717) são no mínimo fotogênicos. Mas os DC-8, DC-10 e MD-11 são demais. O MD-11 conta com o recurso extra do toque dos winglets, que melhoram as linhas de qualquer aeronave (desde que não seja feita pela Shorts).

Outra que não sabe fazer avião feio é a Embraer. Começo pelo belíssimo EMB-110 Bandeirante, que tem linhas puríssimas, equilibradíssimas. Ou o planador Urupema, uma beleza. Outras belas aeronaves que a empresa produziu são o EM-120 Brasília (compare com um SAAB 340) e todos os E-Jets, sobretudo o Embraer 190, que me parece o mais belo dos quatro modelos. Até o EMB-201 Ipanema tem seu charme. E olha que fazer avião agrícola bonito não é para qualquer um (compare com o Cessna AgWagon e constate a afirmação). Mas talvez a mais bela aeronave desenhada pela Embraer seja o EMB-312 Tucano. Esse, de tão lindo, é de sentar no meio-fio (sarjeta na cidade de São Paulo) e chorar lágrimas de esguicho.

O que nos dá a deixa para falarmos dos tipos militares. Começo lá atrás, com alguns dos biplanos da Primeira Guerra, dentre os quais o Spad me parece lindíssimo. Desses primórdios lembro também das linhas imaculadas do Demoiselle de Santos-Dumont.

Depois, os caças da Segunda Guerra são de babar. Em especial o Spitfire, o mais belo de todos, quase alcançado na pureza de suas linhas pelo maravilhoso P-51 Mustang. O Me-109 Gustav, dependendo da versão, era belíssimo. Assim como o F-4U Corsair, que mais do que belo, era carismático com suas asas de gaivota. Até o P-47 com cabine em bolha (não confundir com a versão razorback) tinha seu charme. Dentre os bombardeiros, o Martin B-26 Marauder era muito bonito. Assim como o Boeing B-29, o AVRO Lancaster e o Lockheed P2V Neptune. Aliás, a Lockheed é outra empresa que não conseguiu fazer um único avião feio.

Outro que considero lindo até hoje é o Focke-Wulf Fw 200 Condor, o primeiro quadrimotor terrestre a cruzar o Atlântico Norte sem escalas: Berlim-New York em 10/08/1938 num vôo cumprido em 24h56! Uma aeronave maravilhosa, que chegou a ser operada no Brasil nas cores da Cruzeiro do Sul.

Depois vieram os jatos. Começo pelo Lockheed F-104 Starfighter, uma maravilha para os olhos. Mas para mim, nenhum se compara ao Grumman F-14 Tomcat, o mais belo, carismático, imponente, absoluto caça a jato que já ganhou os céus. Sua aposentadoria em 28 de julho de 2006 foi uma dessas páginas negras da história da aviação. Um jato como esse deveria voar para sempre. Nem precisa me perguntar porque meu filho mais velho chama-se Thomas.

Da Suécia vem um tipo pouco lembrado, mas que considero belíssimo: o SAAB 37 Viggen, primeiro a voar com a configuração de duplo delta. O Viggen certamente é uma das razões mais antigas de minha adoração por tudo que vem da Escandinávia.

Os Estados Unidos desenharam outra máquina de linhas maravilhosas: o Rockwell B-1 Lancer. Ô avião lindo de morrer, outro que não fica feio sob ângulo algum. E nessa nova geração? Não gosto de nenhum outro, particularmente. Na verdade, acho todos, na melhor das hipóteses, um tanto sem graça: do Typhoon ao Rafale, do Gripen ao F-22 Raptor - este parece mesmo um dinossauro condenado à extinção - nenhum deles realmente me inspira. O novíssimo F-35 Lightning II é um pouquinho melhor, mas ainda não se compara a um F/A-18 Hornet, por exemplo. O F-117 Nighthawk é feio de doer, bem como o B-2 Spirit, apesar de ser um inegável triunfo tecnológico. Dentre os soviéticos, o Sukhoi Su-27 é belíssimo, assim como o Tu-160 Blackjack.

Entre os Bizjets, o páreo é duro. Fico sem titubear com as linhas puríssimas e clássicas dos Gulfstream, cada vez mais belos, sobretudo a partir do lançamento do modelo G IV. O Global Express também é uma aeronave belíssima, assim como todos os Learjet. Gosto mesmo dos clássicos, os modelos 35 e 36, com seus enormes tip-tanks. Mas o fato é que quase todos os bizjets são mesmo muito belos. Uma notável exceção é a linha Citation, que considero apenas razoável, com exceção do belíssimo Citation X, de uma beleza estranha, angulosa.

Entre os helicópteros, meu favorito é a linha Agusta. Acho o A109 sensacional. O Sikorsky S-76 Spirit é muito lindo também. Dentre os militares, os novos Merlin e os velhos Sea King chamam sempre minha atenção. Na aviação geral, destaco as linhas do Falco de Stelio Fratti, que nunca fez um avião feio na vida; os clássicos Bonanza, em especial os modelos com cauda em V, como o V35. Os Mooney também me parecem especiais, têm uma beleza agressiva. A lista é enorme.

Impossível falar em beleza sem esquecer a feiúra. E, embora ache um avião feio mais belo que qualquer outra máquina linda, há aeronaves que assustam de tão desajeitadas. Para mim, a mais feia de todas é o Shorts SD 360, simplesmente medonho. Aliás, como fez aviões horríveis essa empresa: o Shorts 330 é apenas um pouquinho melhor. E o SC-7 Skyvan é mais feio que bater na mãe na noite de Natal.

Como dizia o grande Vinícius de Moraes: "Que me perdõem as feias, mas beleza é fundamental." Assim na terra como no céu.

G. Beting
10/03/2007

 

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