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Saudade dos anos 70, 80 e 90


Hoje deu vontade de escrever. Acordei assim, com o comichão que as vezes acontece para aqueles metidos a "beletristas e imortais" como José Ribamar. Ganhei o computador para tentar externar o sentimento de banzo, de saudade de uma década que para mim foi inesquecível: os anos 70.

Minhas primeiras memórias aeronáuticas são aquelas de todo garoto vidrado: as idas ao aeroporto local. No meu caso, Congonhas. Privilégio dos veteranos de minha geração e das anteriores, uma ida a Congonhas significava ver, ouvir e cheirar os aviões, tamanha a proximidade dos mesmos. Lembro-me como se fosse um retrato dos bimotores turbohélices parados com suas pontas de asa praticamente sobre a "Prainha" de Congonhas: uma esplanada aberta, separada do pátio por um gradil de um metro de altura e nada mais. Os passageiros chegando e saindo passavam pelos presentes, distinguidos por suas maletinhas de mão (pequenas, elegantes, não esses trambolhos e mochilões medonhos dos dias de hoje) e sobretudo, pelo trajar mais elegante. Afinal, naqueles idos, viajar por via aérea era um acontecimento que valia e pedia elegância no vestir. E claro, as pessoas eram, no geral, mais elegantes.

Mas voltemos aos aviões. Aeroporto tinha som. Você ficava tão colado aos aviões que era possível ouvir as partidas elétricas, o desconectar de cabos e mangueiras, o acionar dos flapes, os diferentes timbres dos motores ganhando vida. Nada que superasse o "Low Pressure" do Electra dando sua clássica "aspirada" uma, duas, três, as vezes mais (o recorde foi sete vezes no motor três do PP-VJU). Ou ainda o infernal zunido dos quatro Rolls Royce Dart a cada partida dos Viscount da Vasp e da Pluna. Ou o grito desalmado do par de Avons dos Caravelle. Isso sim que era barulhinho bom.

E daí, quando eles iniciavam o táxi, eles tinham obrigatoriamente de virar suas caudas para a prainha, e daí vinha outra característica única daqueles anos: as memórias térmico-olfativas. Lembro do cheio de óleo, do combustível (o melhor aroma que já senti) e até de Skydrol, o fluido hidráulico que dava de vazar as vezes, e quem já cheirou sabe como é peculiar o aroma. E quando digo térmico, não exagero: o calor que saía dos motores era a glória, sobretudo nas manhãs frias. Aeroporto, portanto tinha cheiro e avião, temperaturas.

Isso sem falar no prazer supremo, que era vê-los em ação nos pousos e decolagens. E vale lembrar que naquela época, Congonhas recebia aviões de vários fabricantes, operadores, tipos de propulsão e de portes variados. Numa linha de decolagem, não era raro ver a sequencia que mostrava um Curtiss, seguido por um AVRO, depois Douglas, Convair, Handley Page, BAC, Boeing, Lockheed, Vickers, NAMC, Sud Aviation, deHavilland, Fairchild. Diferente do duopólio de hoje, Boeing ou Airbus, Airbus ou Boeing. Era um espetáculo de diversidade: pousava o Caravelle da Cruzeiro, seguido de um C-82 da FAB, DC-6 da Vasp e 727 do LAB; Decolava o Electra da LAP, Viscount da Pluna, Buffalo da FAB, BAC 1-11 da Sadia. Uma salada mista de pistão, turbohélice e jato (puro ou by-pass) em questão de minutos.

Tenho pena dos garotos de hoje. Namorar aviões é algo que parece condenável, ao menos quando se julga pela atitude de descaso dos planejadores e autoridades aeroportuárias brasileiras. Tome Congonhas por exemplo: se antes havia três terraços (o do segundo andar), terceiro andar (atual restaurante) e ainda o terraço sobre a ala sul, hoje não há mais nenhum ponto de observação de aviões, e parece não haver nenhum compromisso para que essa tendência seja revertida. Como essa gurizada vai crescer e se apaixonar por aviões se eles são objetos mantidos à distância, quase proibidos?

Para eles, só resta fazer o que fazia: namorar aviões da sacada ou janela de minha casa. Lembro quando meu avô comprou um apartamento em Moema, bairro próximo à aproximação de uma das pistas de Congonhas. Do playground do edifício, enquanto a criançada ficava jogando bola, andando de biclicleta, brincando de esconde-esconde ou queimada, o "nerd" aqui ficava num canto, absorto, aguardando a chegada do próximo voo. Caderninho na mão, ia anotando o que vinha. Outro dia, arrumando meu escritório, achei uma dessas anotações, que temia perdida para sempre. Foi fascinante ler depois de tantos anos a sequência de chegadas, lembrada pelas matrículas. Veja só:

PP-VLT; PP-SME; PP-SDU; PP-VJU; PP-CJF; CP-861; PT-TCB; PP-VMI; PP-CTE; PP-SMA; PP-SBB; PP-VLF; PP-VLR; PP-SDV; LV-JMY; PP-VDS; PP-VJL; PP-CJC; PP-SMG.

Quem sabe me dizer o ano em que esse "log" foi feito? O primeiro que escrever para o Jetsite, na seção "Fale Conosco" e acertar, ganha um presente especial: um livro de fotos que fiz e que não foi - nem será vendido - pois é uma edição limitada.

Mas voltando, lembro-me de ouvir o barulho dos aviões antes de vê-los, pois eles surgiam por detrás dos prédios de apartamento que começaram a mudar a cara de Moema a partir da metade daquela década. E lembro que me bastava ficar alí, em total solidão, horas a fio, para entrar em estado de graça.

Os anos 70 marcaram minhas memórias pela ousadia das cores da Transbrasil. Aqueles aviões multicoloridos, como já escrevi aqui no Jetsite várias vezes, foram libertadores. A ousadia de colorir os céus deixaria marcas profundas na minha vida, inclusive na minha maneira de encarar a profissão que abraçaria e até na maneira que me vestia. Procurava combinar as cores das roupas que usava de maneira a sair pela rua homenageando algum avião da Transbrasil, veja você. Internamente, secretamente, ia tomar um sorvete vestido de "PP-SDQ", em dois tons de marron, por exemplo. Ou jogar bola de PT-TYS, jogging azul marinho com camiseta amarela. E, embora não dissesse isso a ninguém, essa mania me dava um imenso prazer. Como se alguém por acaso percebesse ou visse algo de "cool" ou "fashion" nisso.

Depois, esses anos 70 ficaram marcados pela aposentadoria de alguns tipos queridos, o que foi uma abominação. Lembro da tristeza de ver o fim do Viscount, dos YS-11 "Samurai", Dart Herald, e com grande tristeza, o fim dos barulhentos Caravelle e BAC-11, estes substituídos pelos Boeing 727-100 que a Transbrasil começou a trazer em grande número. Poucas alegrias: a chegada do 727-200 da Vasp e um pouco antes dos 737-200 da Varig e Cruzeiro. A aviação começava a perder um de seus maiores atrativos: a variedade de tipos, empresas, pinturas.

No começo dos anos 80, mais precisamente em dezembro de 1980, comprei minha primeira câmera razoável, uma Canon AV-1 e comecei a fotografar tudo aquilo que, até então, registrava de forma muito amadora em uma câmera Olympus Pen. Esta não possuía lente tele ou zoom e, para piorar, tinha um atributo que se à época parecia bárbaro, hoje considero uma abominação: a camerazinha fazia duas fotos no lugar de uma. Ou seja, se usasse um filme de "36 poses", a máquina bateria 72 chapas. O segredo: ela "multiplicava" o espaço do filme, dividindo a área exposta do negativo pela metade; os negativos tinham mesmo a metade do tamanho habitual, 35mm, o que significa uma sensível perda de qualidade. Uma pena.

Primeiro, é bom começar lembrando que na virada de 79 para 80, fiz minha primeira viagem de avião. É, já tinha 15, quase 16 anos, quando fiz meu primeiro voo, tarde demais para meu gosto. (Nos anos seguintes eu tentaria compensar e tirar o atraso). Mas o início da "década perdida" para o Brasil foi bem bacana, ao menos para mim. Em 12/12/1979 voei pela primeira vez, e com estilo: embarquei no LH501, um DC-10-30 da Lufthansa, matriculado D-ADJO, que me levou de Viracopos ao Galeão. Paramos ao ladinho de um Concorde da Air France (F-BVFA), à época operando regularmente na rota entre a Cidade Maravilhosa e Paris, via Dakar, Senegal. Bem, no comecinho da noite tocamos para Dakar e Frankfurt, onde chegamos ao final da manhã do dia seguinte, pousando na Startbahn Nord. Simultaneamente, um 707 Cargo da British Airways decolava na pista ao lado, cena que jamais esquecerei: foi minha primeira visão da Europa. Em rápida conexão, naquele dia embarcamos em um 737-100 (isso mesmo, fuselagame curtinha, ano de fabricação 1968) matriculado D-ABEY e batizado "Worms" que nos levou a Munique, aeroporto de Riem. Guardo tudo isso de cabeça, tamanha foi a impressão que esses voos e a Lufthansa deixaram em mim.

Bem, veio 1980 e a década começou de fato muito mal. Lembro do meu choque ao acordar no domingo, 13 de abril, e ver meu pai chegando lívido do clube Pinheiros com a má notícia: "Filho, o Omar (Fontana) não foi jogar volei hoje; um Boeing da Transbrasil caiu na noite passada em Florianópolis". Fiquei paralisado. A Transbrasil era minha companhia aérea predileta, Omar Fontana era meu herói e a TBA não sofria acidente fatal desde 1967, um recorde invejável. Aquilo não podia ser verdade, mas era. O Boeing 727 PT-TYS colidiu contra o Morro da Virgínia, em aproximação para Floripa em meio à uma tempestade; dos 58 a bordo, apenas 4 escaparam.

Fiquei atônito. Corri para meu quarto, imaginando a dor de Omar. Na minha estante, havia seis modelos de Boeing 727-100 nas cores da TBA, os velhos kits plásticos da Revell, que havia montado caprichosamente, cada um com uma matrícula e cor de asa, como era o padrão da Transbrasil desde 1978. O modelinho na cor azul médio era justamente o PT-TYS, acidentado e ainda fumegando, destroçado no morro. Naquele instante percebi que aviação para mim era uma paixão profunda demais, quase uma religião. Sabia que iria de uma forma ou de outra trabalhar com isso, pois meu sonho de ser piloto comercial não seria possível. Aos 16 anos, já contava com mais de 8 graus de miopia, cego como uma toupeira.

Mas a vida seguiu. Em 1981, lembro que este foi o primeiro ano em que eu e um grupo de amigos nos dedicamos a fazer "expedições fotográficas" a Viracopos. Saíamos de madrugada, rachando um taxi direto de São Paulo ou pegando um ônibus da Cometa até Campinas e outro da Bonavita para VCP. Chegávamos no escuro, por volta das 5 da manhã. Pulávamos as cercas de araque de arame farpado e íamos como ratazanas, correndo no escuro até a pista, onde ficávamos aguardando o dia nascer. Depois, lá ficávamos pelo restante do dia, lutando contra o frio ou calor, os mosquitos e os guardas e seguranças que vinha atrás da gente, quando eventualmente algum piloto reportava nossa presença. Ficávamos lá o dia todo, esperando a chegada dos gigantes europeus e norte-americanos, aviões que víamos em nossos sonhos: eram os 747 da Lufthansa, Air France, Alitalia, PanAm ou TAP; os DC-10 da BCal, SAS, Iberia, Swissair, Lan Chile. O Tristar da Aeroperú e uma procissão de 707 e DC-8 de empresas cargueiras, não menos maravilhosos. Enfim, uma festa e tanto para aqueles adolescentes doentes de paixão pela aviação e pela fotografia desses monstros. Não esqueço o som agudo dos motores GE dos DC-10, as partidas ruidosas do Tristar, a majestade do 747 da LH. Aviões faziam e me ainda fazem um sujeito muito, muito feliz.

O ano seguinte, 1982, começou de forma espetacular. Omar Fontana me deu de presente, por eu ter passado no vestibular, uma viagem mágica: fui com ele e meus pais para Seattle, fábrica da Boeing, convidado para o roll-out do primeiro Boeing 757, avião pelo qual sou apaixonado até hoje. O ano também marcou-me pela tragédia da Vasp em Fortaleza. De novo, tomava os acidentes como algo pessoal. Ficava dias sombriamente pensando em tudo relativo à essas tragédias.

Veio 1983 e a grande recordação foi a emoção de fazer parte do grupo que trouxe o primeiro 767 da Transbrasil. Fomos buscá-lo na Feira Aérea de Le Bourget, de lá voamos para Seattle, Miami, Brasília e finalmente, Congonhas, onde cheguei numa manhã radiante de sol, fria, no mês de junho. Ver o 767 da Transbrasil e Congonhas era realmente fantástico. Como hoje e desolador vê-lo apodecendo num canto empoeirado do aeroporto de Brasília, primeiro lugar em que ele tocou em solo nacional.

Em março de 1984, fui para Orlando com o Boeing 767 da Transbrasil (ida PT-TAA, volta PT-TAC) e, ao retornar ao Brasil, o pouso foi em Congonhas. Essa foi a única rota que uniu a América do Norte com Congonhas sem escalas. Outra doce recordação desse ano foi minha primeira visita ao Show Aéreo de Farnborough, em setembro, novamente escoltando Omar Fontana. Graças a ele, voei na primeira classe da British Caledonian, onde cortei o bolo de aniversário de meu irmão, Mauro, e entreguei pessoalmente uma fatia para ninguém menos que a ex-miss Brasil Marta Rocha, ainda belíssima à época. O voo era Viracopos, Galeão, Recife, London Gatwick, uma maratona.

Em 1985, Guarulhos foi aberto e isso mudou tudo. Imagine, morar em uma cidade onde era possível ir ao aeroporto e ver Jumbos e outros wide-bodies. Foi fantástico. O que é melhor: o aeroporto tinha generosos terraços abertos, que proporcionavam ótima visão dos pátios, um show!

Em 1986, o ano começou de forma divina: passei 5 dias fotografando nos pátios e psiutas do galeão, graças à gentileza de Gilson Campos, à época ainda cuidando de relações públicas da ARSA, antecessora da Infraero no Rio. Em meados do ano, fui buscar o primeiro Boeing 737-300 da Transbrasil (PT-TEB) na fábrica em Renton, e com ele voltei ao Brasil, fazendo escalas em Miami, Manaus e de lá non-stop para Guarulhos, onde pousei no jump-seat, um momento que não dá para esquecer. Em 1987, novamente Omar Fontana patrocinou uma viagem de sonho: de primeira classe para Paris (Varig RG 766, voando no DC-10 PP-VMW) e então para Toulouse, para assistir a Premiére do A320, um evento inesquecível, uma festa e tanto, com a presença já marcante de Lady Di. Fui como seu escudeiro pessoal, e nessa viagem ficamos os dias todos juntos, eu o acompanhando como uma espécie de secretário particular.

Em 1988, outro acidente me marcou profundamente. Foi o RG254, aquele Boeing da Varig que se perdeu voando sobre o Pará e acabou caindo com pane seca em Mato Grosso. Aquilo foi um susto danado, pois a primeira informação que me chegou é que meu irmão poderia estar no voo.

Ao final de 1989, década chegando ao fim, a eleição de Collor x Lula, e o fim da intervenção na Transbrasil. Tão logo Omar Fontana reassumiu a companhia, ele me convidou para assumir o comando da agência de publicidade do grupo Transbrasil, a Intermarket. Esse seria meu primeiro emprego "oficial" em aviação e iria mudar completamente minha vida.

Dando prosseguimento à nossa série "Saudade", apresento aqui o texto relativo aos anos 90. Peço desculpa antecipadamente pelo tom auto-biográfico (sim,pode ser um porre) mas, perdõe-me: ele apenas traduz a empolgação de um garoto que finalmente realizava seu sonho... De toda forma, foi escrito com o coração. (GB)

Nada como começar a segunda década do terceiro milênio relembrando a última década do segundo milênio. É difícil aceitar que já se vão 20 anos desde 1990. Mas aqueles foram os primeiros 10 anos em que me encontrei trabalhando profissionalmente em aviação e quero dividir aqueles anos com você.

Tudo começou em dezembro de 1989, quando recebi um telefonema de meu pai. Ele me disse assim: "Filho, estive com o Omar (Fontana) hoje no clube e ele pediu para que eu te sondasse se você toparia assumir o comando da agência de publicidade da Transbrasil, a Intermarket. Ele pediu para conversarmos e para você ligar para ele". Fiquei atônito. Eu? Um guri de apenas 26 anos de idades, assumindo o comando de uma agência de propaganda? Fui ter com o meu até então ídolo e, sem que Omar precisasse insistir muito, fechamos rapidamente. Assumi a agência em 15 de janeiro de 1990, um período incrível, pois Fernando Collor de Mello também assumiria o país logo depois e, como todo mundo sabe, entraríamos em um período bem conturbado. O Plano Collor colocou tudo de cabeça para baixo, foi uma confusão daquelas.

Mas, o fato é que agora eu trabalhava em uma empresa aérea - ou quase. Estava lotado na agência da Transbrasil, mas como tal, era funcionário da Fundação Transbrasil. Ainda assim, me considerava parte integrantre do time. Lembro que a primeira campanha que criei era uma de caráter institucional, para celebrar a volta de Omar Fontana ao comando da companhia que ele fundara em 1955. O tema era mesmo mostrar a Transbrasil justamente estava voltando para as mãos de seu fundador depois de uma desastrada e tirânica intervenção federal. O título do anúncio dizia simplesmente: "Olha como está indo a Transbrasil" e mostrava um avião decolando. O problema é que a empresa não tinha nenhuma foto que pudesse ser usada para ilustrar o título. Queríamos a imagem de uma pujante decolagem, reforçando a mensagem que queríamos passar. "Deixa comigo", eu berrei: "Eu faço as fotos!" O carnaval de 1990 foi passado na pista de Guarulhos, fotografando aviões decolando - nada mau! No final, selecionamos uma foto do 737-300 PT-TEI, como imagem principal do primeiro anúncio dessa que foi minha primeira campanha publicitária pela empresa.

O fato é que passei a acompanhar Omar Fontana em muitas de suas viagens, sobretudo as internacionais. A Transbrasil não tinha Diretor de Marketing e Omar já ia me preparando para assumir essa posição - ainda que ele não houvesse me avisado disso. Assim, ele me levava como "assistente especial" em suas principais e mais interessantes viagens. Íamos quase semanalmente para Miami ou Orlando, na Flórida, e de lá normalmente seguíamos para Nova York, Seattle ou algum ponto na Europa. Fui acompanhá-lo algumas vezes na Irlanda, mais precisamente em Shannon, onde ficava a sede da GPA, empresa de Tony Ryan, de quem a Transbrasil arrendava boa parte de sua frota. Nessas reuniões, nas quais Omar negociava com o apoio de Humberto Cerruti Filho os contratos de arrendamento dos Boeings da companhia, eu permanecia caladinho, absorvendo como um filtro de papel tudo o que os "big shots" diziam, e fazia minhas anotações à noite, no quarto do hotel.

Eram dias fantásticos aqueles. De uma hora para outra, eu fora catapultado para um mundo de adultos (tinha apenas 26 anos, então) e um mundo muito, muito além das minhas posses, de minha condição social. De repente, me encontrava em reuniões com peixes graúdos da aviação mundial. Absorvia tudo aquilo, mas limitava-me a emitir opiniões apenas quando consultado. No entanto, como prestava muita atenção em tudo que era dito, e estudava tudo sobre as companhias com as quais iríamos nos reunir, acabei dando poucos "foras". E como já me defendia bem em inglês, o comandante Omar parecia satisfeito com meu apoio. Afinal, ele era uma pessoa relativamente solitária e, nas muitas noites nos hotéis e restaurantes em que passamos juntos, eu lhe fazia companhia. Nessas ocasiões, ele falava, quase ditava suas memórias. No fim da noite, embalado pela vodka, tocava seu piano - era um exímio pianista, autodidata.

Eu sorvia aquilo tudo. Era um garoto ainda, um aprendiz tendo aulas particulares sobre aviação e negócios justamente com aquela pessoa que eu tanto admirava. Essa "dolce vita" durou quase três anos. Fiquei na Transbrasil até 1992, saindo por não suportar a pressão (sacanagens mesmo) que sofria de boa parte de outros diretores da empresa, enciumadíssimos pela minha relação tão próxima com o grande líder e fundador da Transbrasil. Por esse bando, era chamado de "principe consorte", "filhotinho" e outros apelidos impublicáveis que ganhava pelas costas.

Antes de sair, porém, participei na organização dos primeiros voos regulares da empresa rumo aos Estados Unidos. Lembro de uma clara manhã de julho de 1990, quando o PT-TAA, 767-2Q4, operou o primeiro TR766 / TR 767, Guarulhos - Orlando - Miami - Guarulhos, pilotado pelo comandante Lacerda. Estava no pátio e ver sua partida me encheu de emoção.

Naqueles anos, a Transbrasil, de forma visionária, criou em Brasília seu hub doméstico e internacional. De lá partiam os voos para New York, Miami, Washington e Orlando, alimentados pelo "Sistema AIR Transbrasil." Aqui uma passagem curiosa: "AIR" era a sigla de "Affluent International Routes" acrônimo criado pelo próprio Omar para designar as rotas que "desembocavam" como afluentes no aeroporto de Brasília. O problema é que a expressão simplesmente não fazia sentido em inglês. "Affluent" ainda que semanticamente correto, na prática significa "rico" e não "afluente." Mas não houve cristão que o convencesse de não usar esse nome - que não pegou, por sinal.

Desses anos, ficam também as memórias da participação da V CONAC, Conferência Nacional de Aviação, realizada em outubro de 1991 no Hotel Sheraton no Rio. Foi lá que a sorte da Varig começou a mudar para pior, com a abertura irrevogável dos mercados internacionais para Vasp e Transbrasil; em contrapartida, as estrangeiras tiveram acesso também aos voos de e para o Brasil. Se antes nas rotas Brasil-USA apenas a Varig e a PanAm dividiam o mercado, a partir dessa nova orientação de multidesignação de operadores, chegaram ao Brasil a American, United, Delta, Continental e na época, operaram também a Eastern e a Tower Air. A Varig perdeu a primazia nessas rotas e, as consequências todos sabem.

Por falar em ação e reação, lembro especialmente de uma viagem a Miami na primeira semana de dezembro de 1991: foi no dia seguinte ao fechamento definitivo da Pan Am. A cena dantesca de dezenas de jatos da outrora gloriosa companhia aérea (The World's Most Experienced Airline) empilhados uns sobre os outros nos hangares da companhia no MIA International partiram meu coração. Naquela noite, estacionei o carro na grade do aeroporto e fiquei um tempão olhando em silência para aqueles 727, A300 e 747 estacionados. Fiquei admirando seus orgulhosos nomes de batismo: "Clipper Sovereign Of The Seas", "Clipper Nautilus", "Clipper Mermaid" e outros tantos. Olhei para os Boeing 747 que, até semanas antes, usava com frequência para ir ou voltar dos USA. E, na solidão da noite, grudado na cerca de arame de um canto remoto do aeroporto de Miami, pela primeira vez, chorei pela morte de uma empresa.

Quem diria, que nos anos seguintes, o mesmo iria acontecer com a minha querida Transbrasil e, depois, com a Varig! Mas isso fica para o próximo texto: "saudade dos anos '00.

GB

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